O espetáculo Chuva de Bala no País de Mossoró representa a cada ano a história da resistência do povo mossoroense à invasão do bando de Lampião. A narrativa estilizada consolida a épica local, a fim de consagrar o heroísmo do homem mossoroense contra o horror do cangaço e sua natural vocação para a liberdade.
Os heróis da resistência, como ficaram conhecidos os bravos guerreiros da Capela de São Vicente, assim como a libertação antecipada das pessoas escravizadas, em 30 de setembro de 1883, e o Motim das Mulheres são o nosso mito fundador, contado à exaustão e reproduzido como história oficial da cidade.
A identidade de Mossoró desde então se apresenta em sua totalidade a partir da memória do dia 13 de junho de 1927, em música, poesia, literatura oral, em ensaios históricos...
Não há dúvida de que a dramaturgia é um artifício da memória coletiva de uma dada sociedade para reforçar o sentimento de pertencimento de grupo e a criação da identidade sociocultural, eis que a representação dos seus valores significa impedir que se relegue o passado à instância do esquecimento.
Portanto, essa é a importância do Chuva de Bala no País de Mossoró — pois, ao encenar a revolta armada de um povo contra a subjugação violenta de uma horda assassina, a peça inventa Mossoró e os mossoroenses.
Assim mesmo, entre tantos outros pontos de referência do passado, sejam eles os monumentos, o patrimônio arquitetônico, a fotografia também é uma ferramenta possível de regaste da memória. É indiscutível a sua importância enquanto documento histórico que permita a análise do passado em todas as suas dimensões.
A importância do acervo fotográfico para a construção da identidade de Mossoró, mesmo que retrate o fato em seu duplo no palco e não o evento tomado em si mesmo, serve como prova social da história, porquanto a imagem fotográfica, como toda manifestação humana, traz atrás de si todo o percurso da história com ela envolvida.
Seja como for, dos sistemas filosóficos aos padrões comportamentais, das artes à especulação metafísica, as sociedades em geral, cada qual segundo as suas particularidades e ambivalências mais diversas, mantiveram suas identidades ao longo dos tempos porque possibilitaram a seus novos integrantes a imersão em suas culturas e, por conseguinte, tiveram garantida sua continuidade no eterno devir humano – e isto é o conceito primordial da memória: a manutenção de uma tradição cultural ao longo do tempo.
Em certo sentido, portanto, a memória seria então o mecanismo que conserva a existência dos homens naquilo que de melhor puderam produzir social e espiritualmente para que as gerações futuras possam assegurar o desenvolvimento das ideias mais caras à comunidade humana.
Chuva de Bala é isso tudo, a expressão mais original da cultura de Mossoró, ainda mais belamente revelada pelo trabalho da fotógrafa mossoroense Jacqueline Barbosa*.
Equipada com uma câmera Canon 77D e uma lente 55-250mm, em um trabalho que escapa à tendência documental de uma fotografia ambiental de plano mais aberto, Jacqueline capta toda a riqueza visual da peça, as cores, os detalhes dos ornamentos, a delicadeza dos figurinos, a expressão facial e corporal dos atores e atrizes em todo o seu vigor. São fotografias que nos aproximam ainda mais da história da cidade, em toda sua exuberância estética.
Carlos Eduardo Paiva.
*Jacqueline Barbosa de Oliveira, natural de Mossoró/RN, além de fotógrafa, é estudante de Turismo na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - Uern.