18/12/2022 às 06h00min - Atualizada em 18/12/2022 às 06h00min

Promotor: ‘Quem investiga, acaba angariando antipatias’

Armando Lúcio Ribeiro, o promotor de Justiça há mais tempo em atuação no RN, é o entrevistado desta semana

Promotor de Justiça Armando Lúcio Ribeiro é o entrevistado do Portal Jurídico neste domingo (18)
O Portal Jurídico entrevista, nesta semana, Armando Lúcio Ribeiro, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FAD/UERN), promotor de Justiça e coordenador das Promotorias de Justiça de Mossoró. Na conversa, o promotor de Justiça em atuação há mais tempo no Estado fala da evolução pela qual passou o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) desde a Constituição de 1988, com destaque para o trabalho de investigação e a função social desempenhada pela instituição. Confira:
 
 
PORTAL JURÍDICO - O Ministério Público é uma instituição pública independente, sem vínculo a nenhum outro tipo de Poder, a exemplo do Judiciário, do Executivo ou do Legislativo. O senhor considera o Ministério Público um poder de Estado, dado os poderes que lhes foram atribuídos a partir da Constituição de 1988?
 
ARMANDO LÚCIO RIBEIRO - O Ministério Público é uma função essencial à administração da Justiça. Propriamente a gente não pode rotular de um poder, mas é uma função pública de bastante relevância. É uma instituição independente, que não pertence a nenhum dos três poderes constituídos. Mas, uma instituição independente, pública, que presta esse serviço à sociedade.
 
PJ - Nesse contexto de independência, poderia explicar como se dá o funcionamento do Ministério Público?
 
ALR - O Ministério Público tem autonomia administrativa e financeira. O Ministério Público detém uma parcela do orçamento do Estado justamente para cobrir as suas despesas com pessoal e cobrir as suas despesas com a manutenção do serviço dos órgãos e instalações. E o Ministério Público funciona da seguinte forma: é eleito, dentre os membros da instituição, um dos seus membros, que preencha determinadas condições, com mais de dez anos de experiência, por exemplo, e que não tenha os direitos políticos cessados. O Ministério Público, muito embora a Constituição ainda diga que é o chefe do Executivo quem nomeia, mas ele nomeia dentro da lista que o Ministério Público envia para o Executivo. Antigamente, dizia-se que só poderia ser o procurador-chefe da instituição um procurador que é integrante da mais alta carreira do Ministério Público, e hoje pode ser um promotor de terceira que já conte com mais de 10 anos de serviço público.
 
PJ - O senhor é o promotor que está em atividade há mais tempo no Ministério Público do Rio Grande do Norte, aqui em Mossoró. Poderia nos falar a respeito das transformações no âmbito do MP que testemunhou enquanto promotor de Justiça?
 
ALR - Nós somos do concurso de 1990. Ingressamos no Ministério Público em janeiro de 1990 e efetivamente nós somos o promotor mais antigo do Rio Grande do Norte. Não só de Mossoró. Mossoró também tem o segundo promotor mais antigo que é o nosso colega doutor Fábio Thè. Nós ingressamos no mesmo concurso, e somos de um Ministério Público que foi a primeira turma pós Constituição de 1988. Primeira turma que tem, portanto, esse perfil do Ministério Público moderno. E a gente já tem testemunhado muitas transformações. Passou-se de uma época onde o Ministério Público era apenas um apêndice para ser uma instituição autônoma e, por isso mesmo, as modificações ocorreram. A primeira promotoria fora das instalações do fórum ocorreu em Mossoró. Nós éramos promotores aqui, em 1994, quando o Ministério Público, fazendo um convênio com a Prefeitura de Mossoró se instalou em um prédio ali na Rua Rui Barbosa, fora das instalações do Fórum Municipal. E a partir daí teve um avanço significativo.
 
PJ - Atualmente, quantas promotorias existem em Mossoró?

 
ALR - Nós tínhamos, na época, apenas seis promotorias de Justiça em Mossoró e hoje nós temos 20 promotores de Justiça atuando em Mossoró, sendo em 19 promotorias especializadas e uma representando o Grupo de Ação Especial Contra o Crime Organizado (Gaecco) da Região Oeste. Então, somos 20 promotores em Mossoró, fazendo o papel do Ministério Público. Saímos de uma cadeira que nós tínhamos no Fórum para um prédio onde funciona todos os órgãos e todas as dependências do Ministério Público, com quatro secretarias e várias outras ações especializadas dentro do próprio Ministério Público em Mossoró.

PJ - O senhor considera o corpo efetivo do MPRN compatível com as necessidades do Estado?
 
ALR - Nós temos, ao longo desse tempo, observado essas mudanças de um quadro de quando nós ingressamos no Ministério Público, no Rio Grande do Norte só existiam cinco funcionários, que eram todos lotados na Procuradoria, em Natal. Hoje, nós temos um quadro de mais de mil funcionários em todo o estado do Rio Grande do Norte, atendendo as nossas demandas. Nós temos um quadro de promotores atuantes de mais de 200 promotores. Um quadro relativamente suficiente, com poucas vagas e, nós reivindicaríamos apenas mais pessoal de apoio, como pessoas para atuar em perícias, assessores que pudessem substituir. Ainda hoje a associação do Ministério Público, que nós já presidimos também, pugna pela criação de um quadro de assessores que possa trabalhar auxiliar os atuais assessores, porque nós temos uma situação e quando um assessor entra de férias, não existe no quadro nenhum assessor para substituí-lo. Essas seriam as nossas ponderações.
 
PJ - O Ministério Público é popularmente conhecido como o “fiscal das leis” e nos últimos anos temos observado um número crescente de operações realizadas pelo Ministério Público, com abrangência nas mais diversas áreas. Isso significa dizer que também aumentou o desrespeito à legislação e aos direitos coletivos?
 
ALR - Essas operações que o Ministério Público faz, desde 1988 que nós tínhamos capacidade de fazê-las. Nós não tínhamos pessoal capacitado nem o apoio necessário para fazermos essas operações. Hoje nós contamos com pessoal que tem essa capacitação, inclusive, policiais que fazem parte do nosso grupo de ação especial e do nosso serviço de inteligência - o Gabinete de Segurança Institucional, que podem nos dar o apoio nessas operações. Para se ter uma ideia, fizemos uma operação, aqui na região, justamente nessa semana, a qual resultou em prisões de pessoas que se passavam por médicos, apenas para exemplificar. Então, essa atividade do Ministério Público nessas operações, que a sociedade vê, com bastante resultados práticos de combate à corrupção, de combate a desvios, é por isso que há a nossa denominação de ‘fiscal da lei’. Nós estamos fiscalizando a lei para que seja cumprida, seja por quem for. Pelo Executivo, pelas pessoas em geral, pelo Legislativo. É por isso que, nessa reforma que houve na Constituição de 1988 não caberia ao Ministério Público permanecer ligado a nenhum poder porque nós temos a capacidade de investigar esses poderes e, não seria justo, eu investigar o meu próprio chefe se fosse, por exemplo, um governador do Estado. Então, o Ministério Público tem essa função. Às vezes não é muito bem vista, porque quem faz um trabalho dessa espécie, acaba angariando antipatias.
 
PJ - Neste cenário, aqui em Mossoró, são emblemáticas algumas operações no âmbito do combate à corrupção, a exemplo da Operação Sal Grosso, Operação Vulcano e da Operação Anarriê. Quais os resultados práticos das investigações desencadeadas?
 
ALR - As operações do Ministério Público são situações de investigação que nós já fazemos. O próprio Ministério Público faz por já dispor de condição. Então, como se trata ainda de uma investigação, não se trata de um processo transitado em julgado. Após a investigação, é dado o direito de defesa, são ouvidas as partes, e o Ministério Público ajuíza ou não a ação, ficando, então, na dependência do argumento da defesa e do que o Judiciário, através do juiz a quem for destinada a ação, vai determinar. Nós fazemos a investigação. Nessa operação, a ação que dela resultar pode ser totalmente procedente, procedente parcialmente ou improcedente. O importante é que a gente faça essa investigação, para fiscalizar o cumprimento da lei e o Judiciário emita o seu pronunciamento após o devido processo legal.
 
PJ - O cidadão pode contribuir com o Ministério Público como fiscalizador do cumprimento da legislação prevista na Constituição? De que forma?  
 
ALR - No âmbito do contato com a sociedade, o Ministério Público tem um telefone Disque Denúncia, que é o 127, que pode atender, como também no site. Virtualmente, existe um canal da Ouvidoria. Inclusive, a Ouvidoria, hoje, de todo o Ministério Público do Rio Grande do Norte, é ocupada por um ocupante da carreira lotado aqui em Mossoró, doutor Rodrigo Rodrigues. Ele que faz essa função de ouvidor e, no site, nós podemos entrar em contato com ele ou pelo telefone Disque Denúncia 127. Então, a sociedade pode contribuir conosco ligando para o 127, pelo site da Ouvidoria, fazendo essas reclamações e vai ter, certamente, desdobramentos com essas informações que forem repassadas.
 
PJ - Na última quarta-feira (14), celebrou-se o Dia Nacional do Ministério Público. A data é digna de comemorações ou desperta mais reflexões a respeito do papel da instituição na sociedade?
 
ALR - No dia 14 passado celebramos o Dia Nacional do Ministério Público e é uma data para que a gente, além das comemorações habituais, pelas conquistas já obtidas, também possamos fazer reflexão. Reflexão de para onde caminha a nossa sociedade; para onde caminha, porque, nas nossas atuações nós vimos, observamos muitos desmandos, observamos que a sociedade caminha, às vezes, para uma onda de egoísmo que faz com que as instituições não funcionem de uma forma satisfatória. Então, é preciso a gente manter-se firme nesse propósito de, fiscalizando a lei, oferecer à sociedade o nosso serviço, porque, no fundo, a sociedade é que o nosso cliente, o nosso assistido.
 

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