04/12/2022 às 06h00min - Atualizada em 04/12/2022 às 06h00min

Adoção: ‘Os trâmites judiciais hoje não são mais empecilhos’

José Dantas de Paiva, juiz responsável pela Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), é o entrevistado da semana

Juiz José Dantas de Paiva: 'Perseverança é também sinônimo de amor' (Foto: Cedida)

Responsável pela Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), o juiz José Dantas de Paiva disseca, ao PORTAL JURÍDICO, o cenário da adoção. Na conversa, ele explica os motivos pelos quais ainda existe um número elevado de crianças à espera de um lar e aconselha os pretendentes à adoção. Confira:


 

Por Sandra Monteiro

 

PORTAL JURÍDICO – Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem atualmente, no Brasil, 32.596 candidatos inscritos no Sistema Nacional de Adoção (SNA) e um total de 4,3 mil crianças aptas à adoção. Por que essa conta não fecha? Por que, com tantas pessoas inscritas, ainda há essa quantidade de crianças à espera de um lar?

JOSÉ DANTAS DE PAIVA – De fato, é uma conta que nunca fecha, mas já foi pior. Houve uma época que, além da ausência de controle do Poder Público, que sequer monitora, a adoção era um mito que não se discutia e se tornava um fato invisível aos olhos da sociedade. Isso proporcionava uma série de irregularidades e ilegalidades, além de acentuar a exclusão da criança e do adolescente ao direito fundamental à convivência familiar e comunitária.

 

PJ – Quais os motivos?

JDV – Várias são as causas de ainda existir um número considerável de crianças à espera de uma família, mesmo existindo uma quantidade bem superior de pretendentes à adoção. Podemos citar algumas. Na sua maioria elas fazem parte de um grupo que se convencionou chamar de 'adoções necessárias'. São crianças com alguma deficiência (física, mental ou intelectual); que fazem parte de um grupo de irmãos (o ideal é que todos sejam adotados), oriundos de uma mesma família biológica e a adoção tardia (a primeira infância já passou, geralmente com mais de sete anos de idade). Com isso, chega-se à conclusão de que, por um lado, a exclusão da criança do direito à convivência familiar é o seu perfil, que não está contemplado no perfil desejado pelos pretendentes, que, do outro lado, estes sonham com a chegada de um filho perfeito.

 

PJ – Qual o cenário vivido aqui no Rio Grande do Norte?

JDP – A situação do RN não difere do restante do Brasil, guardadas as devidas proporções.

 

PJ – Nesta semana, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte divulgou que, neste ano, 26 crianças foram adotadas no Estado, número que poderia ser maior diante do universo de crianças que aguardam adoção. Os trâmites judiciais dificultam a adoção ou isso estaria mais ligado ao perfil exigido por quem se propõe a adotar?

JDP – Os trâmites judiciais hoje não são mais empecilhos. O Poder Judiciário se organizou com o objetivo de atender a essa demanda especial (prioridade absoluta). Criou Foros e Varas Especializadas da Infância e da Juventude; dotou-os de equipes técnicas (assistentes sociais, psicólogos e pedagogos) e equipamentos de trabalho (transportes, com motoristas, para a realização dos estudos sociais) e, naturalmente, a oferta de cursos de preparação para os pretendentes à adoção, inclusive com visitas assistidas às unidades de acolhimento institucional. Portanto, não é no judiciário onde estão as dificuldades. Estas estão, muitas vezes, na falta de conhecimento da sociedade 'de como proceder' e no perfil desejado pelos pretendentes à adoção.

 

PJ – Qual o perfil dessas adoções?
 

JDP – Ainda se procura crianças recém-nascidas. No entanto, o perfil vem, aos poucos, mudando. Passa, necessariamente, por um processo de conscientização. No passado, era raro a adoção de adolescentes. Hoje, a realidade é outra. Acredito que, dentre outros avanços, como a busca ativa, o curso de preparação à adoção seja um dos instrumentos mais importantes utilizados no processo de conscientização. Muitas vezes o pretendente muda o perfil desejado durante o curso, após as palestras ministradas e a visita às unidades de acolhimento institucional. Um adolescente invisível de repente se torna visível. Portanto, mexe-se com o imaginário de todas as partes envolvidas desde o desejo até a sua concretização.



PJ – E, por falar em perfil, chama a atenção um dado divulgado pelo CNJ de que, do total de 13 mil adotados a partir de 2019, apenas 15% tinham mais de 12 anos de idade. De que maneira medidas como a Busca Ativa Nacional, do CNJ, podem ajudar a mudar essa realidade e aumentar as adoções a partir dessa faixa etária?

JDP – O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a criação de cadastros tanto de crianças e adolescentes aptos à adoção quanto de pretendentes. O Conselho Nacional de Justiça, por seu turno, criou o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), com o objetivo de facilitar a adoção e torná-la transparente. O sistema é nacional, o que significa dizer que uma criança do RN pode ser adotada por um pretendente de qualquer do Brasil e, naturalmente, um pretendente do RN poderá adotar uma criança de qualquer estado brasileiro. O CNJ criou um espaço (aba, janela ...), no sistema, para crianças e adolescentes aptos à adoção com poucas chances de adoção (adoções necessárias), por conta do perfil, inclusive com imagens. Essa inovação vem, aos poucos, promovendo a adoção delas, de forma consciente e assistida.



PJ – Com quais outras ferramentas o Judiciário conta para contribuir para o aumento de adoções aqui no Estado?

JDP – As campanhas permanentes sobre a adoção. Todos os anos coroamos esses momentos com outro, de maior dimensão, que é a Semana Estadual da Adoção, oportunidade em que todos os órgãos e entidades envolvidas no tema se articulam para festejá-las, especialmente no dia 25 de maio, que é o dia dedicado à adoção.


PJ – Houve uma grande modernização no sistema judiciário quanto à prática da adoção, com unificação de sistemas e ferramentas que disponibilizam informações em todo o território nacional. Esses mecanismos puseram fim por completo à chamada “adoção à brasileira” ou essa prática, comum no passado, ainda persiste?

JDP – A 'adoção à brasileira', em algumas situações, eram práticas irregulares. Em outras, porém, criminosas. Não podemos afirmar que elas se acabaram, porque são feitas ao arrepio da lei e às escondidas, longe dos 'olhos da justiça'. No entanto, podemos considerá-las raras, hoje, que pode trazer consequências graves para quem as pratica e sofrimento para a criança.



PJ – Quais são os trâmites legais para quem deseja adotar uma criança?

JDP O primeiro passo para quem deseja adotar uma criança é procurar as Varas da Infância e da Juventude da sua comarca e lá fazer o seu cadastro. Todo município faz parte de uma comarca, e que tem um juiz. Chegando lá, receberá toda a orientação necessária, com informações que vão desde os critérios legais, objetivos, como idade, parentesco, etc., até os subjetivos, como a indicação do perfil desejado, dentre outros. Agora, se o pretendente já conhece os critérios já pode acessar o site do CNJ e lá dentro do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA realizar o seu pré-cadastro.



PJ – Por outro lado, o que não deve ser feito?

JDP – Receber criança, mesmo que tenha o consentimento da mãe, sem autorização judicial. A entrega não pode ser direta. A mãe não pode escolher a quem entregar o seu filho. Este deve ir para o cadastro e a justiça procura os pretendentes já habilitados e aptos à adoção. Existem vários programas de assistência as mães que desejam entregar o seu filho para a adoção. O Tribunal de Justiça tem o Atitude Legal que trabalha em parceria com o Grupo de Apoio à Adoção Afeto, de Mossoró.



PJ – Quais conselhos que o senhor dá para candidatos à adoção que pensam em desistir do ato por achar que o processo é lento?

JDP – Perseverança é também sinônimo de amor. Não desistir.


 


 


Link
Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Fale pelo Whatsapp
Atendimento
Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp