18/11/2022 às 19h14min - Atualizada em 18/11/2022 às 19h14min

Judiciário e Saúde: congresso aborda desafios da gestão pública

Evento ocorreu em São Paulo e foi promovido pelo CNJ e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

1º Congresso do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ)
Palestras sobre os desafios para a sustentação da saúde pública no Brasil marcaram o segundo dia do 1º Congresso do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), que chegou ao fim, nesta sexta-feira (18/11), em São Paulo. O último dia de encontro trouxe questões relativas à viabilização da saúde pública que, nos últimos anos, têm sido responsáveis por gerar milhares de processos judiciais.

O evento, que ocorreu em São Paulo nesta quinta e sexta-feira, foi promovido pelo CNJ em parceria com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e reuniu membros das comunidades jurídica, médica, gestores governamentais e sociedade civil para debates que objetivaram a criação de soluções e ideias para qualificar o fluxo de judicialização na área da saúde.
 
O primeiro painel da manhã abordou o desafio relativo aos pedidos judiciais voltados a aquisição e utilização de novas terapias para tratamento de doenças raras. Para as mais de 7 mil enfermidades, apenas 5% delas possui um tratamento aprovado para os pacientes. “A judicialização é um desafio, uma tentativa para se conseguir um tratamento.

É uma alternativa legítima para o paciente, apesar de sabermos que existem desvios. Mesmo assim, a judicialização deve ser vista como um mecanismo de exceção”, afirmou o médico neurologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Maicon Falavigna, sobre a realidade que se experimenta em relação a esse tipo de situação.

O especialista afirmou não haver resposta simples em relação ao direito à saúde quando se trata de doenças raras ou muito raras. Mas defendeu que a sociedade pense qual o investimento a ser destinado nesses casos, e, principalmente, “qual o grau de incerteza tolerável no processo de decisão quando se trata desse tema”, pontuou.
 
Na visão da secretária de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde, Maíra Batista Botelho, é necessário reconhecer o local de fala das famílias e dos doentes que convivem com doenças ainda pouco conhecidas sem perder de vista que o sistema de saúde precisa ter sustentabilidade e dar mais para quem precisa mais. Ela citou recente cumprimento de 100 decisões que permitiram a 100 crianças se curarem por meio de cirurgias que custaram aproximadamente R$ 1 bilhão.

 
“As vidas não têm preço, mas com esse valor teríamos conseguido tratar 166 mil crianças por meio de correção de persistência do canal arterial”, comparou.
 
Em sequência, o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, relembrou que, durante a pandemia, a Anvisa sofreu inúmeras demandas judiciais. “Mas, se há judicialização, há democracia. Então, mesmo sendo trabalhosa, é uma alternativa relevante e necessária”. Barra Torres reforçou que as decisões tomadas pelo órgão são técnicas e citou programas de acesso a medicamentos em fase experimental, como o programa de fornecimento de medicamento pós-estudo e acesso expandido, para pacientes portadores de doenças debilitantes graves que ameacem a vida. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Villas Bôas Cueva coordenou os trabalhos deste primeiro painel.
 
Financiamento
Nas coordenações das duas últimas mesas que abordaram o financiamento do SUS, os conselheiros Marcos Vinicius e Luiz Fernando Bandeira de Mello foram os responsáveis por articular a mediação entre os palestrantes. “Todas as dificuldades que temos debatido nesses dois dias passam exatamente pelo financiamento do SUS, que é um trabalho importantíssimo e único no mundo. Estamos aqui para buscar respostas e saídas possíveis”, afirmou o conselheiro Bandeira de Mello.
 
“Nesses mais de 34 anos de existência, contabilizam-se 450 milhões de visitas domiciliares, e 300 milhões de vacinas, anualmente. Isso sem contar com transplantes, e o atendimento de emergência em casos de acidentes, mais de 220 milhões de brasileiros utilizam o Sistema Único de Saúde”, citou o secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira. O secretário também defendeu e apontou como prioritária a necessidade de se aumentar os recursos em saúde, melhorar a capacitação na formação médica e fortalecer as redes municipais de atenção básica. “Existe uma responsabilidade federal e estadual com a equidade e o financiamento do SUS. O gasto federal com o SUS está estacionado em 1.6% do PIB há duas décadas, sendo que os municípios passaram de 0,8% para 1,26%”, completou.
 
Em seguida, a secretária-adjunta de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde e membro do Comitê Executivo Nacional do FONAJUS, Maria Inez Gadelha, explicou como o Ministério da Saúde vem cumprindo “rigorosamente o orçamento”, distribuído em blocos como Atenção Primária, Assistência Farmacêutica e Gestão, Vigilância em Saúde e outros. Gadelha acrescentou nunca ter havido redução de valores no financiamento do SUS.
 
Seguindo a temática orçamentária, o assessor Jurídico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e membro do Comitê Executivo Nacional do FONAJUS Leonardo Moura Vilela fez uma perspectiva de gastos do SUS para o próximo ano. Hoje a União financia cerca de 40% e os estados e municípios bancam cerca de 60% dos gastos. “As notícias não são boas. A LOA prevê um orçamento de R$150 bilhões, o menor desde 2014”, concluiu. Segundo o gestor, dados do Tribunal de Contas da União (TCU) apontam que as perdas com a saúde podem chegar até a R$ 257 bilhões se persistir o teto de gastos. Ele também citou problemas nas verbas destinadas à saúde por meio de emendas parlamentares. “É um orçamento complexo, e os juízes devem entendê-lo para lidar melhor com a questão da judicialização”.
 
Reforma

Sobre os desafios da gestão da saúde nos últimos anos, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ressaltou a importância do SUS durante a pandemia da Covid-19 no Brasil, e citou que aproximadamente R$ 29 bilhões estão à disposição da sociedade, mas não serão executados por questões relacionadas à gestão desses recursos. “Precisamos, sim, de uma reforma na saúde, mas também devemos corrigir problemas da eficiência da gestão pública. E para isso temos de ter transparência nos dados, qualificar os profissionais de saúde, não apenas os médicos”, concluiu o ministro. O conselheiro do CNJ Marcos Vinícius Jardim destacou que em um evento como o Congresso do Fonajus, são fundamentais os debates envolvendo diversos setores da administração pública.
 
O secretário de Fiscalização da Saúde do Tribunal de Contas da União (TCU), Marcelo Chaves Aragão, citou que a ineficiência da saúde pública no Brasil deve-se a um conjunto de causas, entre elas a inflação dos produtos e serviços, o IPCA, o cenário fiscal, o aumento dos gastos com o envelhecimento da população e a crescente judicialização da saúde. O especialista afirmou que o TCU defende o modelo terceirizado para a área da saúde, mas por apresentar riscos, são necessários diversos aprimoramentos. “A qualificação de entidades sem fins lucrativos como organizações sociais deve ocorrer mediante processo objetivo em que os critérios para concessão ou recusa do título sejam demonstrados nos autos do processo administrativo”, também destacou Aragão, sobre modelos de gestão.
 
Concluindo o terceiro e último painel do congresso, o secretário estadual de Saúde de São Paulo, o médico Jean Gorinchteyn, reforçou a importância do SUS. “Precisamos reformular a assistência em todos os modelos. Se não tivéssemos conseguidos recursos, não teríamos tido condições de passar pela recente pandemia. Temos de repensar de maneira global o modelo do SUS, que já nos orgulha, mas que pode nos orgulhar muito mais”, afirmou, acrescentando, ainda, que espera trabalhar em conjunto com os magistrados e o Poder Judiciário para reduzir a judicialização da saúde no país.
 
Encerramento

“Sempre pensei na necessidade de interlocução entre a sociedade e o Poder Judiciário, para que possam compreender a grandiosidade e a dinâmica do complexo Sistema de Saúde”, afirmou o ex-conselheiro do CNJ e atual diretor Presidente da Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e membro do Comitê Executivo Nacional do Fonajus, Arnaldo Hossepian. A presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), juíza Vanessa Mateus, acrescentou que “[…] esse encontro contribuiu para que pudéssemos entender um pouco mais sobre os limites orçamentários. Sem dúvida, ajudou a amadurecer o debate sobre a judicialização da saúde”.
 
Para concluir, o conselheiro Richard Pae Kim, supervisor do Fonajus, agradeceu o apoio da presidente do CNJ, ministra Rosa Weber, e afirmou que, o CNJ levará aos tribunais, magistrados e magistradas tudo o que foi ouvido e debatido nesses dois dias a fim de que se construam pontes e soluções sobre a judicialização na saúde. “Também vamos levar ao conhecimento dos magistrados a importância dos NatJus para qualificar suas decisões. Esse é um instrumento fundamental para levarmos Justiça à saúde “, destacou.
 

Texto: Regina Bandeira
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias

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