06/11/2022 às 06h00min - Atualizada em 06/11/2022 às 06h00min

‘O ensino jurídico no país passa por um momento crítico’

Juiz e professor de Direito, Breno Valério Fausto de Medeiros opina sobre docência e faz balanço da Justiça Estadual em Mossoró

O entrevistado da semana no PORTAL JURÍDICO é Breno Valério Fausto de Medeiros. Especialista em Direito Processual Civil, é juiz titular da 3ª Vara de Família da Comarca de Mossoró, com mais de 20 anos de atuação como magistrado na área do Direito de Família.

Leciona há mais de 15 anos, sendo atualmente professor catedrático de Direito de Família da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.

Foi vice-presidente regional da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte (Asmarn). Implantou e coordenou a Secretaria Unificada de Família em Mossoró.

É, atualmente, coordenador do Cejusc Mossoró e coordenador estadual dos Cejuscs junto ao Núcleo Permanente de Métodos de Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec). Desde 2018, dirige o Foro da Comarca de Mossoró/RN.
 
 
PORTAL JURÍDICO – Qual balanço o senhor faz do trabalho na direção do Foro da Comarca de Mossoró?
BRENO VALÉRIO – Assumi a Direção do Foro de Mossoró em abril de 2018, numa continuidade de excelentes gestores que me antecederam, como o desembargador Expedito Ferreira, o desembargador Cornélio Alves e o juiz Herval Sampaio. Em toda gestão, há um tempo necessário para ajustes em equipes de trabalho e formato de qual dinâmica e foco se quer assumir. Acredito que essa etapa foi cumprida e agora procuro seguir o que entendo adequado a um gestor público. É sempre um desafio pela dimensão que é a Comarca de Mossoró, a segunda maior do Estado, com 23 Juízes e, entre servidores do quadro do TJ (Tribunal de Justiça), cedidos, terceirizados e estagiários são bem mais de 300 pessoas envolvidas na engrenagem da Justiça Estadual local. Ouvir, ponderar e decidir com o máximo de Justiça e pragmatismo tem sido minha linha. A qualidade da equipe que me assessora, dos juízes com os quais convivo, e dos servidores e estagiários aliviam o peso do encargo, favorecendo o diálogo com outras instituições, no aprimoramento da prestação de serviço de qualidade ao cidadão.
 
PJ – O Tribunal de Justiça do RN tem unificado secretarias de varas e juizados em Mossoró. De que maneira essa medida impacta na prestação do serviço, tanto para os servidores da Justiça quanto para os jurisdicionados?
BV – A unificação das secretarias teve início na gestão do desembargador Expedito Ferreira, como projeto piloto conduzido pelo desembargador Cornélio Alves, da qual fizeram parte eu e dr. Edino Jales. As varas pioneiras foram as Cíveis e as de Família de Mossoró. A unificação favorece a implementação de planejamento e gestão, o aproveitamento dos servidores por competência, a padronização dos modelos de documentos, a nivelação das unidades com igual competência e, ao lado da digitalização do acervo total de processos, possibilita uma futura regionalização da Justiça, a critério de conveniência e oportunidade da Presidência do TJ.
 
PJ – Há reclamações recorrentes, como de advogados e da própria OAB RN, sobre instabilidade no PJe. Isto é, o sistema, se por um lado facilita, por outro, se instável, atrapalha. É um gargalo do Judiciário Potiguar que precisa ser resolvido?
BV – Os processos judiciais eletrônicos são uma realidade da qual ninguém quer retroceder. É até difícil imaginar como trabalhávamos com uma montanha de papeis, o que implicava gastos financeiros com resmas e tintas, prejuízo ao meio ambiente, falta de otimização de espaço e de tempo. Tudo isso foi superado, com o advento do processo eletrônico. A necessidade e discussão se volta ao funcionamento adequado do sistema, que, acredito, precisa de um aprimoramento contínuo. Os juízes, que padecem na sua produtividade quando há instabilidades, contribuem com sugestões e o Tribunal não tem poupado esforços e investimentos para melhoria do sistema, que não depende só do TJRN, mas também do CNJ. Acredito que já melhorou em relação ao que era, e creio que avançaremos ainda mais no futuro, porque esse é um assunto que interessa diretamente a todos os operadores do Direito.
 
PJ – Quais os principais resultados do Centro Judiciário de Solução de Conflitos da Comarca de Mossoró, o qual o senhor coordena?
BV – Penso que o principal resultado é a implementação da política consensual permanente, contribuindo para pacificação social dos conflitos. Todo o trabalho desenvolvido, esforço empregado, técnicas utilizadas têm por meta o resultado primeiro: instituir uma cultura de paz. O Cejusc Mossoró é um dos mais atuantes do Estado. Alcança índices de conciliação em torno de 70% nas audiências realizadas em processos de família e mais de 90% nas demandas pré-processuais, com valores conciliados que se revertem para o incremento da economia local.
 
PJ – A pandemia de Covid-19 acelerou a disrupção tecnológica na operação do Direito. Procedimentos, como audiências virtuais, vieram para ficar?
BV – Historicamente, três fatores aceleram mudanças: guerras, revoluções e pandemias. Não foi diferente com a Covid 19. O cenário dificílimo que vivemos antecipou o uso de ferramentas tecnológicas na atividade jurisdicional. As audiências virtuais são exemplos e certamente vieram para ficar. A comodidade para as partes, a otimização do tempo do advogado, do defensor público, do promotor, que suplanta a necessidade de locomoção, e a praticidade e segurança para o juiz são avanços conquistados com as audiências virtuais que já fazem parte do cenário atual fortemente, e certamente alcançarão a totalidade dos atos no futuro.
 
PJ – Por falar em pandemia, a crise econômica e social com ela agravada afetou a demanda na Vara da Família em Mossoró, onde o senhor também tem atuação?
BV – Certamente. Os processos de família estão ligados à vida cotidiana. E a pandemia atingiu em cheio a dinâmica das nossas vidas, com reflexos diretos e indiretos nas demandas familiares, de que são exemplos os processos de alimentos, com maior dificuldade em estabelecer acordos e cumprir compromissos; as prisões civis, que durante toda a pandemia foram suspensas ou domiciliares, e sem efetividade; a readequação das guardas e regimes de convivência; o aumento do número de divórcios e demandas de violência doméstica, entre outros.
 
PJ – Além de juiz de Direito, o senhor é professor universitário. Quais os desafios do ensino do Direito ante a proliferação de cursos na área e o baixo índice de aprovação no exame da OAB, por exemplo?
BV – O ensino jurídico no país passa por um momento crítico, com reflexos na qualidade do profissional que entrega ao mercado. A mercantilização de alguns cursos talvez seja uma das principais causas. Porém, enquanto docente, faço minha crítica particular igualmente à necessidade de professores com cabedal não apenas teórico, mas igualmente prático.
Os cursos de Direito precisam ter professores mestres, doutores, com dedicação exclusiva, mas também precisam ter professores juízes, advogados, delegados, defensores públicos, promotores, procuradores e etc.
O Direito é o conjunto de todas essas experiências. A formação do aluno passa por capacitá-lo para ter competência na solução dos problemas que lhe surgirem, e essa habilidade acontece quando se une aprendizado teórico e a escuta da experiência prática em suas diversas matizes profissionais.
 

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