24/08/2022 às 16h03min - Atualizada em 24/08/2022 às 16h03min

Advogada é repreendida após choro de filha em videoconferência

Segundo desembargador, choro da bebê estava "atrapalhando" a audiência

Advogada catarinense foi repreendida publicamente por desembargador por causa do choro da filha (Reprodução: Crescer/G1)
Uma advogada catarinense viveu uma experiência nada agradável em seu trabalho. Malu Borges Nunes, 29, participava, por vídeoconferência de uma sessão da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ/AM), quando foi repreendida publicamente por um desembargador por causa do choro de sua bebê, que estaria "atrapalhando" o andamento da solenidade.
 
Os magistrados estavam discutindo um processo quando a filha de Malu, a pequena Alessia, de apenas 6 meses, que estava em seu colo, começou a chorar. Foi aí que o desembargador Elci Simões interrompeu a audiência, alegando que o barulho estava tirando a concentração dos participantes.
 
"É uma sessão do Tribunal, não pode ter cachorro latindo e criança chorando. Então, se tiver alguma criança, coloque em um lugar adequado para não atrapalhar a realização das nossas sessões. São barulhos que nos atrapalham, tiram a concentração. Aí é preciso ver a ética da advogada", disse Elci.
 
Em um vídeo compartilhado nas redes sociais, Malu revelou como se sentiu no momento. "Eu estava amamentando a minha filha, como sempre faço em outras sustentações. Foi uma fala infeliz. Eu sempre fui respeitada no TJ/AM e, mesmo nessa Câmara também, sempre foi respeitada a minha preferência legal. Mas, por alguma situação que eu não sei explicar, nesse dia, a minha preferência legal foi indeferida", disse.
 
Quando diz que tem preferência legal, a advogada se refere a uma lei que garante que advogadas grávidas, lactantes e adotantes tenham direito a falar primeiro nas sessões. A Lei Julia Matos (13.363/16) foi criada depois que, em 2013, uma profissional pediu preferência para falar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e teve seu pedido negado pelo então ministro Joaquim Barbosa. Depois de horas de espera, ganhou a causa, mas saiu de lá direto para o hospital, já com contrações. Sua filha nasceu prematuramente, pesando pouco mais de 1 kg e ficando mais de dois meses na UTI neonatal.
 
"O desrespeito ocorre não somente quando não temos a preferência legal respeitada, mas quando duvidam da nossa capacidade intelectual; quando falam que temos que nos virar, pois, a escolha da maternidade foi nossa; quando jogam nas nossas costas uma responsabilidade que não é nossa, apenas porque nossas condições e prioridades mudaram", desabafou Malu.
 
Repercussão do caso
 
A OAB de Santa Catarina divulgou uma nota, também condenando a atitude do desembargador. "Manifestamos solidariedade à advogada e mãe Malu Borges Nunes pelo constrangimento enfrentado quando do exercício da advocacia, que teve ainda a ética questionada diante do ocorrido", diz o documento.
 
A instituição também defendeu que os direitos de mães advogadas sejam considerados e respeitados nas sessões e audiências.
 
"Conquistas como essa e a própria Lei Julia Matos (Lei nº 13.363/16), que assegura uma série de garantias às mulheres advogadas, sobretudo as gestantes e as mães, são imprescindíveis para a dignidade da advocacia feminina, que representa cerca de 50% da classe e, portanto, deve ter seus direitos e suas necessidades respeitadas", ressaltou.
 
Dois pesos, duas medidas
 
O caso de Malu aconteceu poucos dias depois de um outro advogado também ter vivido uma situação inesperada com seu bebê em uma sessão. Na última quinta-feira (18), Felipe Cavallazzi entrou no plenário do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, ao lado de seu filho, o pequeno Lorenzo, de apenas 1 ano. A cena chamou a atenção dos presentes e fez com que o presidente da sessão, o ministro Mauro Campbell, interrompesse o ritual, direcionasse a atenção para os dois e sugerisse que a pauta em que o pai participaria fosse adiantada.
 
 
Segundo Felipe, ele encarou a atitude do ministro como "um gesto de carinho". Pai divorciado, era seu dia de ficar com o filho e decidiu levá-lo para um dia de trabalho, pela primeira vez.
 
"O pessoal olhou, brincou com ele, achou fofa a situação. Eu já tinha visto outras advogadas levarem os filhos para as sessões, mas confesso que nunca reparei em homens fazendo isso", disse em entrevista.
 
Para Malu, a situação que viveu só ganhou repercussão nacional por causa da proximidade dos dois acontecimentos e da diferença de tratamento dada pelos magistrados.
 
"Ele não só teve o pedido [de preferência] deferido, como foi ovacionado por ter levado o filho para o trabalho. Eu não vou discutir o mérito, se foi machismo ou não. A reflexão depois de toda essa situação é sobre a gente olhar as mães com o cuidado que elas merecem. Não é fácil conciliar tudo. Os cuidados com uma criança, especialmente bebês, demandam muito da mãe. E o retorno ao trabalho também é muito difícil", finalizou.



Fonte: Crescer/G1

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