14/08/2022 às 06h00min - Atualizada em 14/08/2022 às 06h00min

Entrevista: professor alerta para ‘abertura indiscriminada de cursos de Direito’

Coordenador do curso de Direito da Ufersa, Rodrigo Vieira diz ser preciso frear novos cursos que não possuem sequer a condição de serem abertos

Coordenador do curso de Direito da Ufersa, professor Rodrigo Vieira
Segundo a OAB, em pouco mais de 20 anos, o total de cursos de Direito e de estudantes saltou de 380 cursos e 300 mil alunos para 1.800 cursos jurídicos e mais de 700 mil alunos matriculados.  Para cada dez formados em Direito, apenas dois são aprovados no exame da OAB – a taxa de aprovação não passa de 20%. O Conselho Federal da OAB tem o Selo OAB Recomenda. No último ciclo avaliativo, dos quase 2 mil cursos existentes, apenas 193 conseguiram o indicativo de qualidade.

Para discutir os rumos do ensino jurídico no Brasil, PORTAL JURÍDICO conversa com o coordenador do curso de Direito da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), professor Rodrigo Vieira.

Docente permanente do Programa de Mestrado em Direito da Ufersa, é Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR); graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR); investigador Visitante com Estágio Pós-Doutoral no Centro de Estudos Sociais (CES) na Universidade de Coimbra (2020-2021).
 
PORTAL JURÍDICO – O Brasil é o país com a maior proporção de advogados por habitante do mundo, segundo a OAB. É um advogado para cada 164 brasileiros. Como poderíamos avaliar isso? Se por um lado, a advocacia está mais acessível à população, por outro, esse serviço está cada vez mais barato e de qualidade duvidosa?
RODRIGO VIEIRA – A precarização do trabalho na advocacia ela está muito relacionada, também, com as taxas e níveis de desemprego e como também, não só isso, tendo em vista que há uma parcela da advocacia, uma parcela expressiva, na verdade, de trabalhadores autônomos. Muito embora, sempre, a taxa de desemprego em quem não tem formação de nível superior ela seja sempre maior, porque a taxa de desemprego em quem tem formação de ensino superior a gente nesses últimos anos viu que, apesar de ainda ser convidativo, há uma certa preocupação com a não ocupação ou a diminuição de postos de trabalhos qualificados e algo que é dos nossos tempos, que é a precarização, cada vez mais, dessas forças de trabalho, que são subutilizadas. Então, isso chega a ser bem mais preocupante porque, de certa forma é para algumas dessas carreiras, como a gente sabe, a gente não pode tratar, de certa forma, porque não há ocupação de certos postos, pelo fato de haver uma maior incidência de um trabalho autônomo, mas a gente sabe que há uma subutilização no mercado, em que esses profissionais acabam migrando mesmo com o interesse em continuar nas carreiras jurídicas, migram para outros tipos de trabalho que também são precarizados, principalmente agora com a Covid-19. Isso também afeta, de certa forma, uma questão que é a oferta de serviços de baixa qualidade e que também tem a ver com a formação que esses profissionais acabam por receber, ainda que supere a fase do exame da Ordem, não tem, muitas vezes, experiências práticas ou orientadas para a prática de algumas profissões jurídicas, como a advocacia.

PJ – E o que mais chama a atenção nesse cenário?

RV – O que nos chama a atenção é que, basicamente, há uma criação de uma espécie de, no cenário geral, não só no Direito, no ensino superior, da formação quase de um exército de reserva que acaba ficando subutilizado, de trabalhadores altamente qualificados, mas que não ocupam postos de trabalho ou de emprego devidos, nem também exercem com as promessas de rendimento que teriam ou que imaginavam, em matéria, por exemplo, de profissionais liberais autônomos por conta da crise econômica que a gente está vivenciando.

PJ – Em termos gerais, o que precisa ser feito para melhorar o nível do ensino jurídico no país?

RV – Em termos gerais, uma das grandes medidas que se pode tomar para melhorar o ensino jurídico no Brasil, é frear a abertura indiscriminada de novos cursos que não possuem sequer a condição de serem abertos. Nesse sentido, eu também imagino que é que se deva levar – MEC, principalmente mais em consideração os pareceres da OAB na abertura desses cursos. É claro que, principalmente no que se refere a instituições de ensino superior mais voltadas para interesses da educação enquanto mercadoria, haverá sempre por trás interesses econômicos, que pressionarão MEC, OAB etc. para abertura desses cursos. Mas, não somente esses exames...

Em geral, o MEC, em suas avaliações, considera vários outros elementos para avaliar os cursos. Existem todo um regramento, fichas de avaliações com critérios sobre infraestrutura, recursos humanos, recursos materiais que devem ser levados em consideração já na abertura para que isso não ocorra de forma indiscriminada. A natureza da contratação dos docentes, o perfil desses docentes que, de fato, serão contratados para trabalhar com esses cursos, enfim, tudo isso importa. E, nesse sentido, eu acho que, apesar de o parecer da OAB não ser vinculante, poderia de fato nos critérios do MEC ter um peso legalmente previsto.
 
PJ – Por outro lado, Direito da Ufersa está entre os 10 cursos do país que mais aprovam na OAB e, este ano, recebeu pela segunda vez o Selo de Qualidade OAB Recomenda. Também obteve, no índice geral de aprovação no Exame da Ordem (41%), o dobro da média nacional e, em 2018, conquistou o Conceito 5 (Muito Bom de Qualidade) no ENADE – a 7ª melhor nota do Brasil. Por que Direito da Ufersa é um dos melhores do país?

RV – Acredito que o desempenho positivo do Curso de Direito da Ufersa tem íntima relação com seus docentes, que são compromissados com o curso, que se orientam à orientação coletiva e individual dos seus discentes, procuram trabalhar não só teoria, mas a prática jurídica em vários âmbitos. E há diversidade e pluralidade, uma certa horizontalidade, uma troca muito profícua, que faz com que consigamos animar e estimular os discentes a manter, digamos assim, esse cartão de visitas, que é importante e relevante para o futuro profissional deles. Por outro lado, temos um perfil de discentes muito comprometido com o curso, sabem da importância e da relevância que é o curso numa região com a nossa. E também de carregar o peso disso. São estudantes, discentes, que eu diria que são quase inconformados, não se resumem a apenas estar na sala de aula. São participativos, comunicativos, sempre nos estimulam, também cobram quando devem. Estão cada vez mais antenados e integrados com as oportunidades que existem na região, por exemplo, de estágio, de atuação profissional e também das mudanças e das inovações jurídicas, movidos sempre por uma curiosidade.

Então, há esse suporte e apoio mútuo entre esses perfis docente e discente de muito comprometimento. Recentemente, no 33º Exame de Ordem Aplicada, realizado em outubro de 2021, tivemos o êxito de aprovação de 80,49%, enquanto que o do Estado do Rio Grande do Norte foi de apenas 48,85%. Então, estamos bem felizes com a média geral de aprovação nas disciplinas, que ficou entre 57,35%. Isso é um resultado importante, que ratifica os que anteriormente obtivemos no Exame da Ordem.
 
PJ – Isso em um momento difícil para as universidades públicas brasileiras, em matéria orçamentária...

RV – Apesar também do período que a gente está vivendo de crise econômica e social e de contingenciamento e falta de investimento na universidade pública, a gente estimula os nossos estudantes a sempre que podem participarem de seleções, concursos, oportunidades de intercâmbio, que eles possam se ver consagrados com bolsas ou outras formas de apoio e participação em eventos, congressos também, com nossos docentes. Isso tudo, de certa forma, faz com que o estudante ele acabe adquirindo uma base e também um aprofundamento a partir do seu interesse em matéria de carreira jurídica. Então, também, é importante ressaltar isso, de que isso não se deve apenas às virtudes pessoais, ou individuais, de um ou de outro. Há também um grande apoio e incentivo dentro da realidade que a gente vive. A iniciativa deles e dos nossos docentes.

PJ – Para quem pensa em ingressar no curso de Direito, o que o senhor diria? Essa questão pode embutir outra pergunta: quais as possibilidades esse bacharelado oferece em termos profissionais, transformação de vida e serviço à coletividade?

RV – Eu acredito que possa ser dito para quem tem interesse em fazer direito que o direito é essa área, de fato, em que as possibilidades são múltiplas. Há várias oportunidades dentro do setor público como privado para as pessoas que se formam em direito. E, a depender do caminho que você queira trilhar, você pode construir isso a partir do perfil ou do olhar que você queira dar para sua vida profissional. Por isso que muita gente ainda se interessa ou busca o bacharelado em direito. De transformação da vida, né. Todos os profissionais das carreiras jurídicas eles têm ou devem ter o compromisso em termos sociais, com o estado democrático de direito, com o bom funcionamento das instituições e da Justiça e procurar diminuir ou apaziguar os conflitos sociais em nome de um bem comum. Eu acho que a grande lição que os profissionais de direito pode dar é que as nossas funções são relevantes para o funcionamento de instituições que são importantíssimas para a sociedade, que realizam e fazem a Justiça, que dão credibilidade, para que as pessoas se apoiem e creiam nos efeitos do direito, e que só assim a gente pode construir, de fato, uma sociedade em que se diminuam as desigualdades, e que o direito seja, de fato, para todos e de todos.

 
E essa é a maior contribuição que os profissionais do campo jurídico possam dar para a coletividade: assegurar que, de fato, as normas e os direitos que garantem a vida em coletividade não sejam apenas exortações, mas tenham grau de efetividade e de vinculatividade social, de modo que as pessoas de vejam reconhecidas naquilo, em nome, sempre, do bem comum e do estado democrático do respeito às diferenças, do respeito à diversidade e da manutenção da paz no nosso país e no mundo. Sempre pensar de que forma ética que a gente pode contribuir para o melhoramento das nossas instituições e, de certa forma, para a sociedade como um todo. No nosso caso, no nosso curso a gente sempre tem essa preocupação de não criar muros entre a universidade, nossa instituição e a sociedade e procurar, também, profissionais que não busquem se encastelar em suas atividades, mas sempre estejam preocupados com seus princípios éticos e voltar sempre sua atividade atenção para as necessidades sociais mais prementes, mais urgentes.
 

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