24/07/2022 às 06h00min - Atualizada em 24/07/2022 às 06h00min

Entrevista: ‘Há insegurança jurídica para concurso público no Brasil’

Bacharel em Direito e professor analisa lacuna legal para certames no país

Bacharel em Direito e professor Fábio Hunter (foto: Cedida)
Embora o artigo 37 da Constituição Federal descreva regras gerais sobre concursos públicos, não existe lei nacional que trate sobre concurso público. Sobre essa temática, o PORTAL JURÍDICO conversou com o professor Fábio Hunter.

Ele é graduado em Direito, pós-graduado em Direitos Humanos, tem mais de dez aprovações em concursos públicos, é professor de Direito (Constitucional, Administrativo, Legislação Especial) e coordenador do curso Concurseiro Mossoroense.
 
PORTAL JURÍDICO – Por que o senhor defende uma lei sobre concurso público no Brasil?

FÁBIO HUNTER – Em relação ao concurso público no Brasil, falta uma legislação específica. Não defendo uma lei, mas um Estatuto do Concurso Público, trazendo regras claras e objetivas para a administração e candidatos, como prazos de validade, quanto tempo o concurso pode ficar suspenso, periodicidade de concursos etc. Temos no país mais de cinco mil municípios, 26 estados e o Distrito Federal, as administrações municipais, estaduais e da União, dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, enfim, um leque gigantesco. Mas não temos um Estatuto do Concurso Público. Óbvio que a Constituição traz alguns nortes, como prazo de validade, cota para pessoa com deficiência, mas não temos uma lei específica.

PJ – Que tipo de problema essa lacuna legal provoca?

FH – Temos diversos exemplos de concursos que obedeceram inicialmente a Constituição, mas, ao final, fizeram diferente. Em concurso para policial penal, por exemplo, há vaga para pessoa com deficiência. Ou seja, cumpre a Constituição do que diz respeito a possibilidade de vaga para esse público. Mas o candidato se inscreve como deficiente – e isso já ocorreu em vários concursos para Polícia Penal, inclusive, no Rio Grande do Norte –, é aprovado na cota para deficiente, mas às vezes a bancas quer colocar esse candidato para fazer os mesmos testes físicos submetidos às pessoas que não se declararam com deficiência.

PJ – Parece haver, então, uma forte insegurança jurídica...

FH – Isso. Aqui no Rio Grande do Norte, um deputado estadual conseguiu aprovar uma lei na Assembleia Legislativa, mas vetada pelo Governo do Estado, para colocar na Polícia Militar concursados de 2005, porque ele entendia ter havido erro no edital que não havia, inclusive, isso já tinha sido decidido na Justiça. Então, por não termos uma legislação própria, há insegurança jurídica para o concurso público, principalmente para os candidatos, porque é um investimento. Hoje, há taxas de inscrição de concurso público, custando R$ 100,00, R$ 120,00, R$ 200,00, R$ 250,00. E olhe que a taxa de inscrição é o menor investimento. Há curso preparatório e muito mais. E quando o candidato se desloca para outro município ou Estado? Há custo com viagem, deslocamento, hospedagem.

Natal teve um caso clássico, em um concurso para saúde, que foi cancelado em cima da hora. Eu recebi notícia que tinha vindo candidato do Rio de Janeiro concorrer nele. Quer dizer: suspende, cancela os concursos públicos, e o candidato que se vire, com gasto e tudo mais. E os editais, já conscientes desses erros, já trazem que não haverá restituição da taxa de inscrição. Tivemos uma situação no Paraná, em que um concurso foi adiado na madrugada. Eu tinha aluno de Baraúna para esse concurso. Pegou um ônibus e, quando desceu na rodoviária lá, abriu o Instagram e viu que o concurso estava suspenso. Ou seja, temos uma grande insegurança com relação ao desdobramento dos concursos públicos. Os editais às vezes vêm com vícios, e esses vícios são sanáveis apenas na esfera judicial, porque não se consegue pela via administrativa.
 
PJ – Que outro tipo de insegurança jurídica haveria, por exemplo?

FH – Com relação ao teste de aptidão física, que existe principalmente na área policial. Cada Estado faz de uma forma diferente. Não temos uma unificação do que seja um teste de aptidão física no Brasil. Há estados que exigem natação, outros não. No Ceará, no concurso de 2012, houve o absurdo da exigência aos candidatos de uma quantidade mínima de dentes. Então, é essa insegurança latente que precisa ser vista pelo Poder Público, até porque a forma de ingresso na administração pública é mediante concurso, e a gente não pode ficar nesse limbo, sem termos regras claras e objetivas.

PJ – Essa insegurança jurídica parece levar o candidato a ficar à mercê das bancas examinadoras e dos órgãos públicos realizadores de concurso, não é isso?

FH – Há absurdo em cima de absurdo. E vou trazer aqui um atual: quando um edital é lançado, qualquer pessoa pode impugná-lo, se achar que precisa ser corrigido algo. O edital da Fundase RN (Fundação de Atendimento Socioeducativo) foi lançado há poucos dias. Todos os procedimentos, inscrição e coisa tal, são online. Mas para impugnar o edital, não. Oferece duas opções para isso: ou ir até ao Paraná, pessoalmente, ou enviar a impugnação à banca via Sedex, que não é barato. Em pleno século 21! Então, eles fazem de uma forma para que não se consiga impugnar o edital. E porque isso acontece? Por falta de uma legislação específica.

PJ – Ainda há a judicialização de concursos, em que os certames chegam a ficar “travados”, prejudicando candidatos, bancas, órgãos públicos...?

FH – Sim, ocorre muito. Tanto que há escritórios de advocacia especializados em concurso público. Teve uma aluna nossa que foi reprovada no teste físico, e a banca errou, há provas, porque hoje os exames são filmados. E ela teve que recorrer ao Judiciário, e ganhou: a Justiça determinou que ela refizesse o teste. E, quando ocorrem erros na prova objetiva? Quando a banca cobra legislação que não existe mais? Candidato reprovado por erro da banca? O candidato, já fragilizado psicológico e economicamente pelo concurso público, precisa buscar a Justiça e tentar convencer juiz ou juíza de que há erro. Então, se houvesse legislação específica, certas situações seriam resolvidas automaticamente. Bastava aplicar a lei.
 
PJ – A Prefeitura de São Paulo recentemente passou a ter uma lei específica sobre concurso público no município, a Lei nº 17.675, de 8 de outubro de 2021. Estados e municípios poderiam ter leis próprias, ou seria melhor uma lei federal, regulamentando de cima para baixo?

FH – Essa é uma discussão interessante. O Congresso Nacional poderia pensar numa lei geral de concurso público, com as regras mais básicas, e poderia facultar aos Estados e municípios estabelecimento de regras específicas. Atualmente, uma prefeitura pode disciplinar seu concurso público, desde que não desrespeite a Constituição, que estabelece que o concurso deve ter validade de até dois anos, prorrogável por igual período, por exemplo. A Prefeitura não pode fixar em três anos. Normalmente, os concursos de Governo de Estado vêm disciplinados pelos próprios estatutos das carreiras, como a lei de acesso à Polícia Militar, que fala um pouco de concursos, o estatuto da Polícia Civil também, o Poder Judiciário tem lei que cria e disciplina cargos. Mas é muito pouco.

Poderíamos ter um Estatuto nacional de concurso público, com regras mínimas e válidas em âmbito nacional, sem interferir na autonomia dos estados, Distrito Federal e municípios, que teriam a possibilidade de regular aspectos específicos, algo mais pontual. Para isso, precisaríamos também de um grande alinhamento entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que fazem seus concursos e teriam que seguir regras mínimas de um proposto Estatuto Nacional.
 
PJ – Tramitam no Congresso Nacional propostas com essa finalidade há cerca de 20 anos, mas ainda não há um desfecho. O que falta, na sua opinião, para projeto dessa natureza virar lei?

FH – Falta de interesse. Determinados temas mais palpáveis aos olhos da população recebem prioridade maior. O Direito de Greve, previsto na Constituição de 1988, ainda não tem regulamentação. A Reforma Tributária continua parada. Mas o auxílio de R$ 1.000,00 para caminhoneiro e outros auxílios foram aprovados, recentemente, em tempo recorde – e mudando a Constituição, não uma lei ordinária ou complementar. Falta força de vontade. A pauta do concurso público não é pujante, não dá grande visibilidade. Então, deixa como está, e estudantes, nós que trabalhamos com concurso, ficamos à mercê do que qualquer administração deseje fazer. Há muita gente desguarnecida. Isso faz com que muitos concursos sejam suspensos, cancelados, concurso com problema com cargo, enfim.

PJ – Em 2009, o Governo Federal publicou o decreto nº 6.944, estabelecendo, entre outras coisas, normas gerais para concursos públicos. Isso é suficiente?

FH – Esse decreto abarca os concursos públicos federais, de competência da União. Por isso que digo que um Estatuto, uma lei federal, teria abrangência maior do que o Poder Executivo. E decreto é hoje e pode não ser amanhã. Pode ser reeditado, o que não ocorre com uma lei, que para ser alterada precisa de votação no Congresso. E, numa mudança de governo, esse decreto pode ser revogado, deixar de existir. O decreto cria segurança momentânea, e lei cria “definitiva”, desde que uma outra lei não a modificasse. O Código Penal, o Código Civil, por exemplo, vale independentemente do Governo. Já outras normativas sem ser via projeto de lei podem ser mudadas a qualquer tempo, por interesse, conveniência.

PJ – Sobre o cenário dos concursos, já houve a retomada esperada com o arrefecimento da Covid-19, ou ainda vai deslanchar?
FH – A retomada está sendo mais rápido que esperávamos. Tivemos alguns concursos na pandemia, como Depen, Polícia Civil do Rio Grande do Norte. Mas a perspectiva para retomada em 2022 e 2023 é muito grande. Teremos em breve um concurso muito aguardado, do INSS, com cerca de mil vagas, também Receita Federal. O Rio Grande do Norte está um celeiro de concursos, com editais lançados para Assembleia Legislativa, Fundase, oficial da Polícia Militar e tantos outros que virão, como da Uern, soldado de Polícia Militar, Prefeitura de Mossoró. O Estado do Ceará também é outro celeiro de concurso. Então, para quem quer estudar, para quem quer mudar de vida através do serviço público, esse é o momento.
 

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