17/07/2022 às 10h30min - Atualizada em 17/07/2022 às 10h30min

Decisão do STJ reflete em sentenças judiciais em Mossoró

Condenação por tráfico de drogas é anulada por falta de mandado judicial; entendimento causa divergências de opiniões

No STJ, ministro Sebastião Reis Júnior foi o relator do processo que resultou na anulação do flagrante por falta de mandado judicial (Crédito: César Viegas)
Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anulou condenação pelo crime de tráfico de drogas por causa da ausência de mandado judicial na busca domiciliar, já reflete em sentenças de primeiro grau em Mossoró. Mas, à medida que avança no sentido de espelhar decisões, o entendimento da Corte provoca, por outro lado, divergências de opiniões no meio jurídico.
 
O advogado criminalista Otoniel Maia Júnior é responsável pela defesa de um dos primeiros casos no município em que a Justiça anulou a condenação do réu por falta de mandado judicial para entrada no imóvel, onde, segundo denúncia, era praticado o crime de tráfico de drogas. Ele conta que a ilegalidade na obtenção de provas foi a tese defendida para requerer a anulação do processo.
 
“Nesse caso específico, o flagrante foi feito sem autorização judicial nem consentimento do morador para que a polícia entrasse na casa. E nossa defesa se baseou justamente nisso: que as provas foram colhidas de forma ilegal, sendo um dos primeiros casos registrados em que a Justiça reconheceu a ilegalidade das provas, provocando a anulação do processo”, explica.
 
Quebra de resistência
 
Nesse contexto, o advogado acredita que a decisão do STJ tende a ser mais utilizada como parâmetro por juízes de primeiro grau. Segundo Maia Júnior, antes da Corte julgar ilegal os flagrantes sem mandado judicial, havia uma maior resistência a sentenças dessa natureza na instância de primeiro grau.
 
“Juízes de primeiro grau são muito resistentes a esse tipo de decisão. Antes, as decisões de primeiro grau eram sempre contrárias. Não havia reconhecimento da ilegalidade. As provas eram consideradas normalmente, mesmo havendo a entrada no domicílio sem mandado. Agora, seguindo a orientação do STJ, acredito que haverá outro entendimento, considerando a ilegalidade das provas”, pontua.
 
Investigação mais completa
 
Embora confiante na mudança de postura de juízes, Otoniel Maia Júnior prevê que a decisão do Superior Tribunal de Justiça não se tornará tendência. Ele acredita que a Polícia não dará mais brecha para anulação: buscará investigação ainda mais robusta, seguindo todos os trâmites legais, o que melhorará a investigação policial.
 
“Acredito que o número de ocorrências semelhantes, de flagrantes sem o uso de mandado, diminuirá. A polícia não vai querer ter o trabalho desmanchado, ter flagrantes anulados, e passará a fazer investigações mais completas, com uso de mandado judicial e não só baseado em denúncias. Esse será o motivo para que as decisões anulando flagrantes não se tornem mais comuns”, opina.
 
Impunidade
 
Contrário ao entendimento do advogado, o delegado Caetano Baumann, titular da Delegacia Especializada em Narcóticos (Denarc) de Mossoró, é taxativo: a decisão de anular flagrante de condenação do réu por falta de mandado judicial piora o trabalho policial e contribui diretamente para a impunidade. A principal dificuldade, destaca ele, está na obtenção da ordem judicial que, quando obtida, o prazo varia de dias a até mês para ser expedida.
 
“Esse tipo de decisão gera mais impunidade. Então, eu estou diante de uma situação em que a própria Constituição me autoriza a entrada na casa do indivíduo para efetuar aquela prisão, aí eu volto atrás, com o objetivo de conseguir um mandado por conta de uma decisão de órgão colegiado, e como se esse mandado fosse uma coisa muito simples. E não é tão simples assim de conseguir um mandado”, conta.
 
Para concessão de mandado, segundo ele, o juiz faz série de exigências, como elementos, provas, indícios de autoria, depoimentos, relatório. “Então, essa ordem judicial não sai assim com essa facilidade. Então, não vejo como melhorar o trabalho da polícia. Muito pelo contrário: ela piora, sim, e, substancialmente”, avalia.
 
O delegado vai além. A decisão do STJ, segundo ele, fere a Constituição, na medida em que contraria o fato de ser permitida, em situações de flagrante, a entrada em domicílios, a qualquer hora.
 
“A decisão está pondo em risco, em questionamento, a própria situação de flagrante. Porque a Constituição fala, pelo menos vamos para esse lado criminal, que a polícia pode entrar com a ordem judicial, de dia, e nas situações que forem de flagrante, de dia ou de noite, a qualquer hora. Então, você percebe que essa situação de flagrante é bem mais forte, no ponto de vista constitucional, do que a própria ordem judicial. Para mim, essa decisão ela fere a Constituição”, contesta.
 
Desmotivação
 
O delegado lamenta, ainda, que decisões dessa natureza contribuam para “desmanchar” o trabalho realizado, mas ressalta que seguirá realizando as atividades, apesar do que classifica como insegurança jurídica. A esperança, acrescenta ele, é de que magistrados não baseiem as sentenças na decisão do STJ.
 
“O trabalho policial quando é feito e é desmanchado, vamos dizer assim, por uma decisão dessa natureza, realmente desmotiva o trabalho policial. Mas nós vamos continuar fazendo esse trabalho tão difícil, tão complexo nos dias de hoje, de extrema insegurança jurídica no Brasil”, assegura.
 
Baumann acrescenta que, se há magistrado que use ou usou essa decisão para se orientar, faz parte das prerrogativas da magistratura. “Mas a esperança que nós temos é que os outros magistrados, de uma forma geral, não se baseiem nessa decisão. Afinal e contas, é uma decisão do STJ. Não é uma súmula vinculante. Ou seja: ninguém está, vamos dizer, obrigado a seguir”, ressalta.
 
O que diz a decisão do STJ
 
Ao final do mês de maio, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus para anular o flagrante obtido por policiais após ingresso forçado em residência, com base exclusivamente em denúncia anônima sobre tráfico de drogas no local.
 
De acordo com os ministros, embora os agentes da polícia tenham encontrado itens que indicassem a traficância no local, foi comprovado nos autos que eles não fizeram investigação prévia para averiguar se a denúncia era atual e robusta – o que transformou a descoberta da situação de flagrante em mero acaso.
 
Para o ministro Sebastião Reis Júnior, relator do processo no STJ, "é consabido que a existência de denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos da prática de crime, não constitui fundada suspeita e, portanto, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado", argumentou.
 
Sebastião Reis Júnior mencionou, ainda, precedentes do STJ no sentido de que, nos crimes permanentes – como o tráfico de drogas –, o estado de flagrância avança no tempo, mas esse fato não é suficiente para justificar a busca domiciliar desprovida de mandado judicial. O ministro lembrou que é essencial a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, há uma situação de flagrante delito.

 

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