Vânia Furtado, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RN, reflete sobre desafios da mulher na advocacia (Divulgação)
No Dia Estadual da Mulher Advogada, o Portal Jurídico conversou com a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RN, Vânia Furtado. Militante na advocacia há duas décadas e professora universitária há 15 anos, ela trata de temas sensíveis, porém ainda comuns ao dia a dia da mulher advogada, como o assédio e o desrespeito a prerrogativas, e avalia leis brasileiras que versam sobre os direitos femininos.
PORTAL JURÍDICO - O seu engajamento no ativismo feminino é uma de suas marcas. O que a levou a ter a defesa dos direitos da mulher como uma bandeira dentro da advocacia?
VÂNIA FURTADO - Minha própria vivência como mulher profissional. Sempre acreditei que competência não tem gênero, porém me surpreendi com algumas barreiras que encontrei no caminho. Quando questionei sobre elas, obtive como resposta de que era porque eu era mulher. Confesso que me causou perplexidade. A partir daí, comecei a questionar os espaços da mulher: se somos maioria, por que nos espaços de poder, decisão e fala, somos minoria? Por que é que temos tão poucas mulheres na política? Por que a liderança feminina e tão solitária? Por que somos tão exigidas por nossa aparência? Por que existe uma cultura de concorrência entre as mulheres? Por que tanta violência de gênero? Por que tanto feminicídio praticado por cônjuges e companheiros? Por que não podemos decidir sobre nossos corpos? Por que não devemos denunciar o assédio? Por que a roupa que uma vítima de violência sexual estava usando no momento da agressão é pertinente? São essas e várias outras perguntas que me intrigam e me movem, provavelmente, porque não aceito, nem me conformo com as respostas que encontro.
PJ - A senhora, inclusive, preside a Comissão da Mulher Advogada da OAB/RN e se depara, diariamente, com situações de violações de direitos da mulher. Nesse sentido, quais os maiores desafios no dia a dia da mulher advogada?
VF - Nós enfrentamos os mesmos desafios que os advogados homens enfrentam, que são os próprios da profissão advocatícia, e que já são muitos, como: aviltamento dos honorários, problemas no PJE e demais plataformas eletrônicas, concorrência, posicionamento no mercado de trabalho, morosidade da justiça, etc. Porém, somados a isso temos ainda as questões do universo feminino, que é a sub-remuneração, relativização da credibilidade e o assédio. É possível observar, também, que advogadas são preteridas ao homem em suas contratações em razão de ter filho ou do plano de tê-los.
PJ - Quais as violações mais comuns registradas pela comissão quanto ao desrespeito de prerrogativas no âmbito do dia a dia profissional da mulher advogada?
VF - Temos nos deparado com violações relacionados à maternidade e ao assédio. A mulher advogada tem direito a suspensão de prazos processuais por 30 dias a partir do nascimento dos filhos, mas temos relatos crescentes de desrespeito desse direito de suspensão de prazos. A principal ameaça da mulher no mercado de trabalho, inclusive na advocacia, é o assédio, as provocações e comentários sexistas. Precisamos unir forças para prevenção da violência e do constrangimento pessoal e profissional das mulheres no ambiente de trabalho.
PJ - Hoje é celebrado no Rio Grande do Norte o Dia da Mulher Advogada, e a OAB lançará uma campanha intitulada Advocacia Sem Assédio. A realização de uma campanha nesse sentido é um indicativo de que os índices de assédio na profissão são elevados?
VF – Sim. De acordo com o estudo global realizado pela entidade norte americana International Bar Association (IBA) no Brasil, especificamente nas profissões jurídicas, a cada três advogadas uma já foi assediada sexualmente. E uma a cada duas mulheres entrevistadas já foram assediadas. Então, é um problema não só na área jurídica, mas nas demais profissões também. O assédio moral e/ou sexual é um tipo de violência que ocorre no ambiente de trabalho, é um comportamento complexo que se manifesta de diversas formas, diretas e indiretas, de intensidade e gravidade variadas, isolada ou continuada, dificilmente reconhecido e assumido pela sociedade, e que afeta majoritariamente as mulheres.
PJ - Como a Comissão tem agido no enfrentamento desses casos?
VF – Primeiro estamos fazendo uma campanha educativa interna, através de cartilha, folders, postagens, rodas de conversa. O próximo passo será visitar os espaços profissionais que os advogados e advogados frequentam, escritórios, fóruns, delegacias e Ministério Público, bem como, os administrativos também. Em paralelo, recebemos as denúncias, fazemos um relatório e enviamos para o Tribunal Ético e Disciplinar da OAB (TED) para providências, processamento disciplinar e punição perante a OAB.
PJ - Existe algum canal de denúncia, no âmbito da OAB/Comissão da Mulher Advogada, para os casos de assédio?
VF - Sim, existe sim. É no site https://www.advsemassedio.org.br// O site é mantido pelo Conselho Federal da OAB e as denúncias são triadas por estados. A demanda do Rio Grande do Norte vem para a Comissão da Mulher Advogada e, diante de cada caso, faremos os encaminhamentos necessários.
PJ - Temos percebido avanços na criação de mecanismos legais em favor da mulher, como a Lei Maria da Penha, Lei Carolina Dieckmann, Lei do Feminicídio, entre outras. Mas, por outro lado, seguimos vendo números elevados de feminicídios e outras violações dos direitos da mulher. Como explicar esse cenário?
VF - É verdade. O legislador está sendo obrigado a reconhecer a situação de vulnerabilidade que a mulher enfrenta no Brasil. Essas leis não vieram gratuitamente. Por exemplo, a lei Maria da Penha não foi fruto de iniciativa legislativa. Ela surgiu em razão da condenação do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso emblemático da cearense que passou por diversas situações de violência perpetradas por seu companheiro. E ainda encontramos quem hoje ainda desmereça a luta de Maria da Penha e a própria lei. Quanto aos números elevados de feminicídio e outras violações, acontecem, primeiro, porque a mulher está rompendo a cultura do silêncio e da submissão, e segundo porque, apesar de as leis serem positivas, é necessário aprimoramento nas medidas de prevenção e repressão.
PJ - Como a senhora avalia as leis brasileiras que versam sobre os direitos femininos? VF - Todas são positivas, porém ainda não apresentam o grau de eficácia e eficiência necessária para proteger a mulher. Porque a lei sozinha não é suficiente para acabar com a violência de gênero. É necessário associar a legislação à educação e às políticas públicas.
PJ - A legislação brasileira ainda falha no cumprimento das leis e amparo às mulheres?
VF - Sim. Porque temos o fator cultural que contempla uma estrutura de dominação histórica do masculino sobre o feminino, que só pode ser rompida com educação em direitos humanos e políticas públicas. É preciso levar em conta a falta de autonomia financeira das mulheres, a dependência emocional, o medo, a vergonha e até o desconhecimento da lei. As leis são boas, mas sozinhas não são suficientes. É preciso adequar a rede de apoio. Por exemplo, nos finais de semana sobem os casos de violência doméstica, e as delegacias especializadas não funcionam nos finais de semana. Então, os servidores que atendem a essas mulheres não receberam treinamento apropriado para acolher essas mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
PJ - De que maneira o direito pode auxiliar no empoderamento feminino?
VF - De incontáveis maneiras, principalmente no que se refere a ajudar a obter consciência coletiva de que as mulheres não são inferiores, que reconheçam os mecanismos que tentam inferiorizar e discriminar a mulher, para que tomem atitudes que vão contra o machismo imposto pela sociedade. O direito auxilia, inclusive, no fortalecimento das mulheres para que nós tenhamos condições de nos pronunciar, desenvolver e ser independente financeiramente, exigindo as mesmas oportunidades e o mesmo respeito que os homens possuem.
PJ - Como mulher, advogada, professora, quais dicas a senhora dá para que as mulheres se tornem protagonistas de suas histórias?
VF - Priorizar o estudo, se comprometer com sua constante evolução. Apoiar outras mulheres e contribuir na valorização delas. Acreditar em você e na sua capacidade. E o mais importante: Não desista.