O objeto da condenação do jornalista foi o livro "Operação Banqueiro" Um grupo formado por procuradores, delegados, um juiz voluntarista e jornalistas roteirizou uma "operação". Com acusações sem provas, insinuações pirotécnicas e um rufar de notícias escandalosas, o consórcio levou pessoas para a prisão e destruiu reputações. Tempos depois, desmascarados, os antes desassombrados paladinos trocam de fantasia. Com vestes de mártires e cara de choro, invocam solidariedade e pedem vaquinhas para ajudar a pagar as indenizações a que são condenados.
O cenário acima já virou familiar. Foi o mesmo em quase todas as pantomimas apelidadas de "operações da PF". Quem o trouxe de volta esta semana foi o jornalista Rubens Valente que, condenado a pagar por seus erros, lançou uma campanha de solidariedade a ele mesmo. Processado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, Valente terá que pagar algo como R$ 310 mil a instituições de caridade.
O objeto da condenação foi o livro "Operação Banqueiro". Nele, Valente constrói uma narrativa fantasiosa para defender o ex-delegado, condenado e foragido, Protógenes Queiroz. O papel do consórcio de que o jornalista participou era o de tirar o financista Daniel Dantas do comando da Brasil Telecom e passá-la para os principais doadores de campanha do Partido dos Trabalhadores.
Ao revogar duas ordens de prisão ilegais do empresário, o ministro Gilmar Mendes tornou-se alvo da turma de Valente. Atacá-lo era um objetivo estratégico do negócio. Um dos lances mais ousados do envolvimento ilícito do jornalista, teve como personagem o então procurador da República Luiz Francisco de Souza.
O jornalista produziu texto para uma reportagem com o objetivo de fritar Dantas. Acontece que o jornal o rejeitou, por falta de consistência. Mas o procurador o usou assim mesmo para fundamentar uma Ação Popular. Interpelado sobre a falsidade, o jornalista lamentou, mas sustentou o texto: "Não saiu (a reportagem), mas é aquilo mesmo."
Apesar de levar a assinatura do procurador, descobriu-se, a "denúncia" baseada na reportagem que não existiu fora produzida na empresa de Luís Roberto Demarco, inimigo de Dantas. Nas propriedades do arquivo em word encontraram-se as digitais de Marcelo Elias, advogado da Nexxy Capital, de propriedade de Demarco.
O livro
O enredo dessa "operação" é um conto de fadas contemporâneo. Dois personagens heroicos, o juiz Fausto de Sanctis e o delegado Protógenes Queiroz decidem livrar o Brasil de um tubarão do mundo dos negócios: o nefasto Daniel Dantas. Mas mesmo munidos das mais evidentes provas, passam da condição de acusadores para a de acusados. Com poderes extraterrestres, Dantas compra o governo, a imprensa, os ministros do Supremo Tribunal Federal e escapa de todas as acusações. Os mocinhos caem em desgraça. O mal triunfa mais uma vez.
Para sustentar a trama, o livro omite, esconde ou minimiza as trapaças dos investigadores enquanto amplifica com malabarismos verbais as culpas dos seus alvos. Cria fatos também. Logo na contracapa, por exemplo, escreve-se que depois de condenar Dantas, o juiz Fausto de Sanctis "foi transferido para uma vara qualquer, sem brilho e poder", o que nunca aconteceu.
O juiz foi promovido a desembargador. Inventa também que Sanctis foi surpreendido no dia da posse, no final de janeiro de 2011, com a notícia inesperada de que iria cuidar de temas previdenciários no TRF-3. A designação já era sabida mais de dois meses antes.
Ao tentar descrever uma enrolada história de suborno dos delegados envolvidos nas investigações, com base em uma gravação ininteligível, o livro atribui frases ao preposto de Dantas em um momento no qual ele ainda nem havia chegado ao local do encontro. Sempre acolchoado por truques de linguagem, o livro não informa o leitor, por exemplo, que Hugo Chicaroni (segundo a "satiagraha", o indivíduo que fez a ponte entre Dantas e os investigadores) foi um ator introduzido na cena pelo delegado e não por Dantas. Quem escreveu a história esqueceu de revelar que Protógenes e Chicaroni vinham trocando telefonemas seis meses antes do que o livro indica.
Em nome do bem, sempre, o livro omite fatos. Esconde que Protógenes enriqueceu enquanto conduzia a operação satiagraha, fabricou provas inexistentes e agiu fora da esfera do serviço público. Omite as fraudes e falsidades policiais espantosamente acolhidas pelo procurador Rodrigo de Grandis e pelo juiz Fausto de Sanctis. Os rombos na descrição do falso suborno dos policiais são ignorados.
O autor (ou seu editor) enganou os leitores do seu livro em dois momentos fundamentais. No primeiro, esconde do leitor por que o alegado arauto da corrupção supostamente enviado por Dantas, Hugo Chicaroni, não foi grampeado, indiciado nem preso. A segunda omissão é mais grave.
O delegado desobedeceu a ordem para fotografar as cédulas do suposto suborno — o que permitiria rastrear a origem do dinheiro. A rigor, nem precisaria de ordem. Esse é um procedimento básico na polícia. Contudo, o Ministério Público pediu a providência, Sanctis deferiu, mas o delegado respondeu candidamente que o dinheiro já fora depositado em banco, o que tornou impossível o seu rastreamento.
A piada pronta: desmontada a trama, o parceiro de Protógenes, Hugo Chicaroni, pede na justiça o dinheiro que teria sido usado para comprar o fim das investigações. Segundo ele, a montanha de notas usadas para fotos na imprensa não era de Dantas, mas de uma empresa interessada na Brasil Telecom. A Justiça Federal rejeitou o pedido.
Lanterna ao contrário
O libelo não foi escrito para provar as culpas de Dantas e mostrar como tudo se deu, mas para tentar atenuar as penas de Luís Roberto Demarco, Protógenes Queiroz e demais parceiros que hoje respondem por seus atos. Eles estão sendo julgados por isso.
Se a lanterna da Operação Banqueiro jogasse luz, em vez de fachos de sombras, seus autores teriam dado mais espaço a duas investigações feitas pela própria PF sobre as falcatruas de Protógenes. A que foi conduzida pelo delegado Amaro Ferreira, em que o delegado expulso da PF foi indiciado por crimes de violação da lei de interceptação e quebra de sigilo funcional; e a que investigou a interceptação telefônica no STF.
Pelo primeiro inquérito, Protógenes respondeu junto com outro ex-delegado, Paulo Lacerda, mais os empresários Demarco e Paulo Henrique Amorim por corrupção, violação telefônica e prevaricação. O que se descobriu é que esse grupo forjou uma operação privada e fora das regras legais. Esse é o caso que mais preocupa o grupo.
O segundo caso foi o simulacro de investigação em que se tentou apagar os rastros das interceptações ilegais empreendidas pela turma de Protógenes. A leitura do inquérito, que concluiu que nada se poderia concluir, mostra o esforço dos encarregados em não chegar a lugar algum.
Nos depoimentos de 37 pessoas, espremidos em seis páginas incompletas, não se percebe, pelas respostas, uma única pergunta relacionada às maletas de grampo clandestino. O delegado Edson de Oliveira, em seu depoimento, afirmou que o então presidente do Sindicato dos Policiais Federais do RJ, Telmo Correa, lhe disse ter sido procurado pelo agente Rodrigo Távora Pescadinha Schnarndorf para se aconselhar.
Na ocasião, a hecatombe provocada pela notícia de que o STF fora grampeado sacudiu o país. Assustado com a gritaria, por ter sido ele o encarregado do grampo no STF, o agente teria procurado o líder sindical, pois temia ser sacrificado como único responsável pelo crime. Mas como Schnarndorf e Telmo negaram a versão, não se considerou necessário ir adiante.
Hall da desonra
Não se pode negar que o livro tem o mérito de trazer de volta uma discussão importante. A farsa montada com a operação testou todas as instituições. Mostrou as vulnerabilidades, as fraquezas e como se pode manobrar os fatos em nome de falso moralismo, idealismo de araque e boas intenções de mentirinha.
O livro tem traços de bipolaridade. Rubens Valente é um jornalista que cobre o mundo das leis há décadas. Difícil aceitar que ele tenha se enganado ao referir-se a Curso de Advocacia, em vez de Direito. Ou dizer que o presidente da República baixou um decreto que alterou a lei (página 252) ou as repetidas vezes em que o falso suborno ora é de 1 milhão de reais, ora de dólares (páginas 279/280). Muito menos que alguém pediu "vistas do processo" ou, pior ainda: "vistas aos autos". O normal em Rubens — e nisso o livro é pródigo — é dizer coisas como "o STF contrariou o parecer do Ministério Público" ou que o Supremo contrariou uma decisão qualquer da primeira instância, inferindo uma inexistente inversão hierárquica.
Ao menos em um trecho, o livro chega perto de referendar um ponto de vista do ministro Gilmar Mendes. Desde a primeira menção à suposta tentativa de Dantas de pagar a um delegado para ser excluído do inquérito, o ministro sempre repetiu que isso não existe em contexto sob controle do Ministério Público e do Judiciário. Na página 388, o livro atesta: "O delegado nunca está sozinho no inquérito e suas conclusões são verificadas pelo MP e pelo Judiciário. Delegados não julgam nem denunciam, apenas apuram e informam". A menos, é claro, que Dantas e seu exército de advogados não soubessem desse detalhe.
Não se pode negar que Rubens Valente, quando fez suas acusações, fazia jus ao nome e que era dono de uma coragem extraordinária. A naturalidade com que ele tentou explicar a iniciativa de Fausto de Sanctis de quebrar o sigilo telefônico de todos os brasileiros é insuperável, assim como o fato de a Operação Satiagraha ter sido urdida em hotéis e escritórios privados — muito longe da PF. Boa a tentativa de apagar os rastros de Luís Roberto Demarco. Pena, para a tese, que as centenas de telefonemas trocados pelos artífices da tramoia, estejam nos autos dos processos.
Com informações do Consultor Jurídico