26/08/2023 às 11h58min - Atualizada em 26/08/2023 às 10h37min

Jefferson Freire, A Toda Prova

O debate sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal no STF: uma breve abordagem analítica

Jefferson Freire

Jefferson Freire

A Toda Prova

Jefferson Freire de Lima
O Supremo Tribunal Federal (STF) está em meio a um importante debate jurídico que envolve a possível descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. 

O caso foi submetido ao STF em fevereiro de 2011, através do Recurso Extraordinário 635.659/SP, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

O dispositivo questionado, no caso, o art. 28 da Lei nº 11.343/2006, estipula sanções alternativas à pena de privação de liberdade para aqueles que adquirem, mantêm, transportam ou detêm em depósito substâncias ilícitas para consumo pessoal.

O problema central reside justamente na falta de clareza na diferenciação entre o porte para consumo pessoal e para tráfico, o que tem resultado no encarceramento em massa de usuários.

Um elemento crucial para a compreensão dessa questão é o estudo realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria, intitulado "Avaliação do Impacto de Critérios Objetivos na Distinção Entre Posse para Uso e Posse para Tráfico – Um estudo Jurimétrico".


A análise abrangeu um amplo conjunto de dados, incluindo Registros Digitais de Ocorrências (RDO) e números agregados de ocorrências de 2002 a 2017, totalizando mais de meio milhão de ocorrências e mais de dois milhões de pessoas envolvidas. 

O Ministro Alexandre de Moraes fez uma ampla referência ao estudo em seu voto-vista, destacando a identificação dos padrões utilizados para distuinguir o porte para uso pessoal e o tráfico, o que aponta para uma aplicação marcantemente discricionária da lei.

Esses padrões revelam que não apenas as variações nas quantidades de entorpecentes têm sido consideradas para a caracterização do tráfico. Na realidade, fatores de justiça social também têm se mostrado determinantes.

Os resultados indicam que as quantidades médias de drogas apreendidas para caracterização de tráfico variam consideravelmente de acordo com fatores como grau de instrução, idade e cor da pele.

A análise revelou que, em média, a caracterização de porte para uso pessoal envolveu quantidades muito reduzidas de substâncias ilícitas, atingindo 1,7 gramas de cocaína, 1 grama de crack e 2 gramas de maconha. 

No entanto, para configurar o tráfico de entorpecentes, as quantidades médias foram consideravelmente maiores, alcançando 20 gramas de cocaína, 9 gramas de crack e 32,6 gramas de maconha. 

Uma das descobertas mais marcantes desse estudo está relacionada ao grau de instrução dos envolvidos. Notavelmente, as medianas das quantidades de drogas consideradas para caracterização de tráfico variam substancialmente de acordo com o grau de instrução. 

Por exemplo, para a apreensão de maconha, a mediana para a caracterização de tráfico é de 32,275 gramas para analfabetos, 40,0 gramas para indivíduos com ensino médio completo e 49 gramas para portadores de diploma universitário. 

Em outras palavras, um portador de diploma universitário precisa estar portando 52% a mais de maconha do que um analfabeto para ser considerado traficante.

Essas disparidades também se estendem à idade dos suspeitos. A mediana para a caracterização de tráfico de maconha varia de 23,90 gramas para suspeitos de 18 anos, 36 gramas para suspeitos com até 30 anos e 56 gramas para indivíduos acima de 30 anos. 

Esse estudo ressalta que alguém com mais de 30 anos precisa estar portando 134% a mais de entorpecente do que um jovem com menos de 18 anos para ser considerado traficante. 


As discrepâncias são semelhantes no caso de cocaína, onde suspeitos com 18 anos são tipificados como traficantes com uma média de 15,90 gramas, enquanto aqueles com mais de 30 anos precisam estar portando 27,53 gramas em média.

O estudo também constatou que, em média, para uma pessoa branca ser considerada traficante, é necessário que esteja portando pelo menos 80% a mais da quantidade que uma pessoa negra. 

De um modo geral, a análise constatou que jovens, especialmente negros (pretos e pardos), e analfabetos são considerados traficantes com quantidades significativamente menores de drogas (maconha ou cocaína) do que indivíduos com mais de 30 anos, brancos e portadores de diploma universitário.

Os dados claramente evidenciam que a falta de clareza nos critérios de aplicação do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 tem resultado no injustificado encarceramento de pessoas que, na verdade, deveriam ser submetidas a medidas educativas ou de saúde.

Para ler o voto-vista, clique aqui.
 
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