21/03/2023 às 11h00min - Atualizada em 21/03/2023 às 11h00min
Jefferson Freire, A TODA PROVA
Operação Open Doors e o ônus do Estado na comprovação da integralidade e confiabilidade da prova digital
Jefferson Freire - Jefferson Freire de Lima
google Operação Open Doors e o ônus do Estado na comprovação da integralidade e confiabilidade da prova digital
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, na assentada de julgamento do AgRg no RECURSO EM HC nº 143.169/RJ, fixou o entendimento de que é ônus do Estado comprovar a integralidade e confiabilidade da prova por ele apresentada.
Para os Ministros, um dos principais fatores que influenciam a credibilidade da prova digital é a técnica utilizada para o seu manuseio.
A inobservância dos procedimentos técnicos necessários para garantir a integridade das provas extraídas de dispositivos eletrônicos pode comprometer a sua confiabilidade.
Assim, quando a polícia apreende um dispositivo de armazenamento de informações digitais, a perícia técnica deve copiar integralmente o conteúdo do dispositivo, gerando uma imagem dos dados que representa fielmente o conteúdo original.
A partir dessa cópia forense é possível detectar se o conteúdo extraído do dispositivo foi modificado em alguma etapa da investigação, quando a fonte de prova já estava sob a custódia da polícia.
Isso é possível graças à aplicação de uma técnica de algoritmo hash, pela qual é gerada uma assinatura única para cada arquivo. Se os valores de hash dos arquivos copiados forem diferentes dos valores dos arquivos originais, isso indica que a evidência digital foi alterada.
Todavia, é necessário que cada uma dessas etapas seja registrada na cadeia de custódia.
A cadeia de custódia, anota o julgado, tem como principal objetivo garantir que os vestígios deixados por uma infração penal no mundo material correspondam exatamente àqueles arrecadados pela polícia, examinados e apresentados em juízo.
Sem a cadeia de custódia não é possível garantir que os valores de algoritmo hash dos arquivos originais sejam os mesmos das suas cópias, o que compromete a garantia de que o conteúdo permaneceu íntegro enquanto esteve sob a custódia policial. Dessa forma, não é possível assegurar que os dados periciados sejam idênticos e íntegros aos que existiam nos dispositivos do investigado ou acusado.
A decisão ressalta ainda que os arts. 158-A a 158-F do CPP não possuem efeito retroativo, visto que foram incorporados ao sistema jurídico brasileiro apenas em 2019, por meio da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019.
No entanto, para os Ministros, a necessidade de preservar a cadeia de custódia não surgiu com esses artigos, pois essa ideia é logicamente indissociável do próprio conceito de corpo de delito, que já estava presente no CPP desde a sua redação original.
Em verdade, desde antes de 2014, a importância da cadeia de custódia para a confiabilidade da prova digital já vinha sendo reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, como pode ser observado na leitura do HC nº 160.662/RJ, relatado pela Ministra ASSUSETE MAGALHÃES.
Assim, é essencial avaliar a preservação da cadeia de custódia mesmo para fatos anteriores a 2019.
Uma das passagens mais importantes do acórdão é aquela em que os Ministros afirmam que cabe ao Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova apresentadas.
Segundo eles, não é adequado presumir a veracidade das alegações estatais quando os procedimentos referentes à cadeia de custódia são descumpridos.
No processo penal, a atividade do Estado é o objeto do controle de legalidade, e não o parâmetro do controle. O Judiciário deve controlar a atuação do Estado-acusação a partir do direito, e não a partir de uma autoproclamada confiança que o Estado-acusação deposita em si mesmo, afirmam os Ministros.
O acórdão enfatiza também conceitos fundamentais que são essenciais para a justiça penal, mormente ao reconhecer que nos casos em que ocorrem a quebra da cadeia de custódia, as provas extraídas dos dispositivos apreendidos são inadmissíveis, assim como as provas delas derivadas, em aplicação analógica do art. 157, § 1º, do CPP.
A preservação de dados digitais é uma atividade complexa que requer cuidados especiais para garantir a integridade das evidências, sendo ônus do Estado fornecer todos os elementos para a sua confiabilidade, o que é essencial para a seriedade de uma acusação criminal.