02/07/2022 às 11h01min - Atualizada em 02/07/2022 às 10h52min

A Judicialização da Saúde

Aproximadamente 7% dos médicos brasileiros enfrentam algum tipo de processo, seja na seara cível, criminal ou administrativa

Alexandre Costa Lima

Alexandre Costa Lima

Direito & Saúde

Alexandre Costa Lima
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A chamada judicialização da saúde é um fenômeno mundial. Por ano, cerca de 26 mil novas ações por supostos “erros médicos” surgem nos tribunais brasileiros, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). São três novas ações a cada hora. Dentre as especialidades médicas mais demandadas no Brasil, encontra-se a cirurgia plástica, mais especificamente na 3ª posição, enquanto ginecologia e obstetrícia ocupam o primeiro lugar, e traumato-ortopedia, o segundo. Atualmente, aproximadamente 7% dos médicos brasileiros enfrentam algum tipo de processo, seja na seara cível, criminal ou administrativa.
 
Os motivos para tal fenômeno são vários, dentre os quais destacamos: a) mercantilização da saúde: no passado havia aquele profissional que cuidava de toda a família, passando de geração a geração. Nos dias de hoje, isso é cada vez mais raro. É crescente o número de instituições de saúde que querem ganhar mercado praticando preços mais baixos, em vez de prezarem pela qualidade dos serviços. Assim, os profissionais são obrigados a atender mais pacientes em menos tempo, deixando de lado a humanização dos atendimentos; b) facilidade de acesso à Justiça: em outras épocas, era reduzido o número de advogados e defensores públicos, fazendo com que as pessoas tivessem uma certa dificuldade de encontrar um profissional para ingressar com uma ação judicial. Atualmente, há uma grande oferta de mão de obra nessa área; c) reportagens da grande mídia: não é raro nos depararmos com notícias nos meios de comunicação em que se relatam supostos casos de erros médicos, muitas vezes utilizando-se de sensacionalismo, fazendo com que sirva de incentivo ao ajuizamento de ações; d) busca desenfreada pela beleza: o mercado da estética está em alta. As pessoas, muitas vezes, possuem uma expectativa de beleza inatingível com o procedimento estético, fazendo com que se mostrem insatisfeitas com os resultados e surjam problemas para os profissionais, até mesmo visando uma volumosa indenização.
 
Como forma de tentar evitar problemas do tipo, um atendimento humanizado é fundamental, deixando claro ao paciente sobre o procedimento a ser realizado. O paciente precisa previamente saber dos riscos de cada tratamento, que cada organismo reage de uma forma diferente, bem como de seus deveres após o procedimento na busca do resultado almejado. Assim, uma correta comunicação com o paciente é o primeiro passo para evitar um problema. O contrário caracteriza o que chamamos de negligência informacional. Essa comunicação, além de verbal, deve ser escrita, com elaboração do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual o profissional informará ao paciente todos os riscos do procedimento e quais cuidados necessários ele deve ter para que se tente chegar mais próximo do resultado pretendido. Se não bastasse esse dever de informar, os tribunais brasileiros têm exigido que os documentos não sejam do tipo genérico, em que claramente o paciente assina sem saber o teor do documento. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos (grifos nossos):
 
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO POR INADIMPLEMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. NECESSIDADE DE ESPECIALIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DE CONSENTIMENTO ESPECÍFICO. OFENSA AO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO. VALORIZAÇÃO DO SUJEITO DE DIREITO. DANO EXTRAPATRIMONIAL CONFIGURADO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. BOA-FÉ OBJETIVA. ÔNUS DA PROVA DO MÉDICO. 1. Não há violação ao artigo 535, II, do CPC, quando, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente. 2. É uma prestação de serviços especial a relação existente entre médico e paciente, cujo objeto engloba deveres anexos, de suma relevância, para além da intervenção técnica dirigida ao tratamento da enfermidade, entre os quais está o dever de informação. 3. O dever de informação é a obrigação que possui o médico de esclarecer o paciente sobre os riscos do tratamento, suas vantagens e desvantagens, as possíveis técnicas a serem empregadas, bem como a revelação quanto aos prognósticos e aos quadros clínico e cirúrgico, salvo quando tal informação possa afetá-lo psicologicamente, ocasião em que a comunicação será feita a seu representante legal. 4. O princípio da autonomia da vontade, ou autodeterminação, com base constitucional e previsão em diversos documentos internacionais, é fonte do dever de informação e do correlato direito ao consentimento livre e informado do paciente e preconiza a valorização do sujeito de direito por trás do paciente, enfatizando a sua capacidade de se autogovernar, de fazer opções e de agir segundo suas próprias deliberações. 5. Haverá efetivo cumprimento do dever de informação quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso do paciente, não se mostrando suficiente a informação genérica. Da mesma forma, para validar a informação prestada, não pode o consentimento do paciente ser genérico (blanket consent), necessitando ser claramente individualizado. 6. O dever de informar é dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva e sua simples inobservância caracteriza inadimplemento contratual, fonte de responsabilidade civil per se. A indenização, nesses casos, é devida pela privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação, por lhe ter sido retirada a oportunidade de ponderar os riscos e vantagens de determinado tratamento, que, ao final, lhe causou danos, que poderiam não ter sido causados, caso não fosse realizado o procedimento, por opção do paciente. 7. O ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de informar e obter o consentimento informado do paciente é do médico ou do hospital, orientado pelo princípio da colaboração processual, em que cada parte deve contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe possam ser exigidos. 8. A responsabilidade subjetiva do médico ( CDC, art. 14, § 4º) não exclui a possibilidade de inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, devendo o profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações técnicas aplicáveis. Precedentes. 9. Inexistente legislação específica para regulamentar o dever de informação, é o Código de Defesa do Consumidor o diploma que desempenha essa função, tornando bastante rigorosos os deveres de informar com clareza, lealdade e exatidão (art. 6º, III, art. 8º, art. 9º). 10. Recurso especial provido, para reconhecer o dano extrapatrimonial causado pelo inadimplemento do dever de informação.
(STJ - REsp: 1540580 DF 2015/0155174-9, Relator: Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Data de Julgamento: 02/08/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/09/2018)
 
Outro documento importantíssimo é o prontuário médico, o qual, infelizmente, muitos profissionais o consideram — assim como outros documentos — como mera burocracia, e descuidam de seu correto e completo preenchimento. Da mesma forma, uma completa Ficha de Anamnese assinada pelo paciente também é fundamental, pois nela o paciente terá a obrigação de responder de forma verdadeira sobre suas condições físicas e psicológicas. Informação e sinceridade com o paciente nunca são demais. O profissional não pode se comprometer com o resultado, ele deve se comprometer com o tratamento. Tudo o que você fala antes para o paciente é orientação e informação, tudo o que você fala depois vira desculpa. Prevenção é sempre o melhor remédio!
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