07/06/2022 às 09h11min - Atualizada em 07/06/2022 às 09h10min

Jefferson Freire, A TODA PROVA

Jefferson Freire

Jefferson Freire

A Toda Prova

Jefferson Freire - Jefferson Freire de Lima
PONDERAÇÕES SOBRE A ATUAÇÃO DO COAF/UIF E DA RECEITA FEDERAL NAS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras, atualmente denominado de Unidade de Inteligência Financeira, e a Receita Federal do Brasil, por seus setores de inteligência financeira e fiscal, podem fornecer aos órgãos de persecução penal dados e informações que possam servir de base para a deflagração ou a instrução de investigações ou de processos criminais, observadas as limitações constitucionais de suas atuações.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras ou Unidade de Inteligência Financeira e a Receita Federal do Brasil não dispõem de acesso irrestrito a dados integrais e detalhados das operações bancárias, financeiras e fiscais dos brasileiros, mas apenas a dados daquelas operações reputadas suspeitas. 

É assente também que esses órgãos têm o dever de comunicar às autoridades competentes sobre indícios ou prática de ilícitos penais ou administrativos a partir de operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa.

As autoridades ministerial ou policial, por sua vez, de posse dos relatórios de inteligência financeira, convencidas da existência de evidências de delito, devem instaurar a correspondente investigação e representar ao Poder Judiciário pela obtenção ampla de dados e documentos protegidos por sigilo constitucional.

Isso porque o Conselho de Controle de Atividades Financeiras ou Unidade de Inteligência Financeira e a Receita Federal do Brasil não são órgãos de investigação criminal, muito menos de produção de prova, como restou amplamente reconhecido nos julgamentos do RHC 125.461/RJ [STJ], RHC 125.463/RJ [STJ], RHC 135.206/RJ [STJ] e do HC 594.360/RJ [STJ], relativamente ao caso envolvendo o sigilo bancário do Senador da República  Flávio Nantes Bolsonaro.

De fato, a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras ou Unidade de Inteligência Financeira foi balizada no julgamento do RE 1055941/SP e no julgamento conjunto das ADI’s nº 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859, em que a Suprema Corte estabeleceu a necessidade de se observar o seguinte: 

¶ é constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira [RIF] com órgãos de persecução penal para fins criminais; 

¶ a Unidade de Inteligência Financeira não é órgão de investigação penal, e sim de inteligência, competindo-lhe receber, examinar e identificar suspeitas de atividades ilícitas e compartilhá-las com as autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis;

¶ o conteúdo e a forma de compartilhamento [disseminação espontânea ou a pedido] dos RIF preservam o sigilo financeiro do indivíduo;

¶ as informações sobre movimentações e operações financeiras limitam-se àquelas consideradas suspeitas;

¶ não devem ser fornecidos extrato completo de todas as transações de um determinado operador ou conjunto de operadores;

¶ são lícitas as comunicações dirigidas pelas autoridades competentes à UIF que não tratem de requisição;

¶ a UIF possui plena autonomia e independência para analisar operações financeiras, produzir relatórios de inteligência e compartilhá-los com as autoridades competentes;

¶ são lícitas as comunicações dirigidas pelas autoridades competentes à UIF;

¶ não é possível a geração de RIF por encomenda - os chamados internacionalmente fishing expeditions - contra cidadãos relativamente aos quais não haja alerta emitido de ofício pela unidade de inteligência nem procedimento investigativo formal estabelecido pelas autoridades competentes;

¶ os RIF’s caracterizam-se como meio de obtenção de prova e não constituem prova criminal .

¶ o recebimento das comunicações, a produção e o compartilhamento dos RIF’s são realizados única e exclusivamente mediante sistemas eletrônicos de segurança com os certificados e registros de acesso.

Deparando-se com operações suspeitas, o COAF ou UIF devem apenas comunicar a existência de operações específicas e pontuais que podem caracterizar ilícitos penais, sem qualquer outra informação a respeito das operações financeiras ou do estado patrimonial do operador.

Diga-se ainda que análises de dados podem ser feitas a requerimento de autoridades competentes, porém, sempre a partir de dados já existentes no COAF ou UIF e previamente informados pelas instituições financeiras e setores obrigados sobre operações suspeitas.

Tais dados são submetidos ao sistema do COAF [Siscoaf], que imediatamente verifica se existem em sua base informações pré-existentes acerca da pessoa investigada.

A atividade de inteligência da Receita Federal do Brasil, por sua vez, tem em estrita perspetiva os dados e informações indispensáveis ao lançamento de tributo em procedimento fiscalizatório por fatos que podem conter indícios da prática de crime de descaminho ou contrabando, de crime contra a ordem tributária ou previdenciária ou, ainda, de crimes conexos, como o de lavagem de dinheiro ou de ocultação de bens, direitos ou valores, observados as balizas definidas nos já citados julgamentos do STF, a saber: 

¶ pertinência temática entre as informações bancárias requeridas na forma do art. 6º da LC nº 105/01 e o tributo objeto de cobrança no processo administrativo instaurado;

¶ prévia notificação do contribuinte quanto à instauração do processo [leia-se, o contribuinte deverá ser notificado da existência do processo administrativo previamente à requisição das informações sobre sua movimentação financeira] e relativamente a todos os demais atos;

¶ submissão do pedido de acesso a um superior hierárquico do agente fiscal requerente; 

¶ existência de sistemas eletrônicos de segurança que sejam certificados e com registro de acesso, de modo que seja possível identificar quem teve acesso aos dados sigilosos, inclusive para efeito de responsabilização, na hipótese de abusos;

¶ estabelecimento de mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios; 

¶ amplo acesso do contribuinte aos autos, garantindo-se-lhe a extração de cópias de quaisquer documentos e decisões, de maneira a permitir que possa exercer, a qualquer tempo, o controle jurisdicional dos atos da administração, segundo atualmente dispõe a Lei nº 9.784/1999. 

Se após todos esses cuidados, a autoridade fazendária deparar-se com indícios de ilícitos penais, fará instruir a representação fiscal para fins penais com dados protegidos por sigilo, sem a necessidade de intermediação do Poder Judiciário [ARE 953.058/SP, ARE 973.685/SP, ARE 998.818, ARE 939.055/ES, RE 601.314/SP-RG e ADI nºs 2.386, 2.390, 2.397 e 2.859].

Atuar fora dessas premissas constitucionais pode caracterizar devassa de caráter exploratório, ou seja, investigações de prospecção ou “por encomenda”, amplamente vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro. 
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