justificando.com INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA, NOTAS INTRODUTÓRIAS
A investigação defensiva, caro leitor, é o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.
Essa atividade é privativa da advocacia, compreendendo-se como ato legítimo de exercício profissional, não podendo receber qualquer tipo de censura ou impedimento pelas autoridades.
Segundo o PROVIMENTO Nº 188, de 11 de dezembro de 2018, do CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, norma que regulamenta a investigação defensiva, o advogado poder fazer uso de todos os meios jurídicos previstos no ordenamento jurídico brasileiro, tais como requerimentos, notadamente com base na Lei de Acesso à Informação ou na Súmula 14, do STF.
Pode-se fazer uso ainda de justificações judiciais com vistas a obter depoimentos de testemunhas não deferidas, inquirição de autoridades investigadoras, de delatores, etc.
É possível também o ajuizamento de ações declaratórias com vistas à declaração de nulidades ou ilegalidades de atos investigativos, de relatórios ou da atuação de órgãos como COAF/UIF, Receita Federal ou CADE.
As ações ordinárias também podem ser manejadas, sobretudo, para obter elementos probatórios sonegados e cujo Juízo Criminal não tenha deferido a sua juntada.
Caro leitor, a justiça penal brasileira, de um modo geral, é disfuncional, o que faz com que, muitas vezes, os atores do processo não enxerguem ou ignorem a importância de certos elementos probatórios para a defesa do investigado ou acusado.
Outra possibilidade é a confecção de laudos técnicos por peritos, seja para a impugnação de outros laudos ou, por exemplo, para examinar dados e metadados de arquivos digitais, amplamente utilizados nas investigações.
A adoção dessas medidas pode ter como escopo fazer o Poder Judiciário enfrentar cada uma das questões postas pela defesa técnica no curso dos processos-crime e que, mais das vezes, são peremptoriamente ignoradas.
Hoje, dificilmente, só o argumento jurídico é o bastante para formar a convicção do magistrado; assim, a investigação defensiva pode fornecer material técnico de consultores, peritos e, até mesmo, de detetives.
A investigação defensiva, sem prejuízo de outras finalidades, destina-se, especialmente, para a produção de prova para emprego em pedido de instauração ou trancamento de inquérito, rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa, resposta à acusação, pedido de medidas cautelares ou para impugná-las, defesa em ação penal privada, razões de recurso, revisão criminal, habeas corpus, proposta de acordo de colaboração premiada (delação não é prova e deve indicar os meios de prova para ser homologada), proposta de acordo de leniência e em outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal.
Como se vê, a investigação defensiva pode ser desenvolvida na investigação preliminar, na instrução processual, na fase recursal, na execução penal ou como medida preparatória para a propositura da revisão criminal.
Fato é que, quanto mais cedo ela for iniciada, maiores as chances de obter as provas necessárias à defesa dos interesses do investigado ou acusado.
A atividade investigativa do advogado, porém, deve ser exercida com temperança, sob os signos do sigilo, da dignidade, da privacidade e da preservação de direitos e garantias individuais.
É importante anotar que o advogado e outros profissionais que prestarem assistência na investigação não têm o dever de informar à autoridade competente os fatos investigados. A comunicação ou publicidade exigirão expressa autorização do constituinte.
Caro leitor, o Poder Judiciário apresenta hoje uma tendência muita clara quanto à gestão da prova, ao deferir apenas os pleitos probatórios que a parte e a defesa técnica eventualmente não possam ou não consigam produzir por si só.
Soma-se a isso a necessidade de questionar as investigações realizadas pelos órgãos de Estado, pois, como toda atividade humana, está sujeita ao erro, abuso, má-fé e as outras vicissitudes das paixões.
Veja, caro leitor, a operação mais escrutinada de todos os tempos, certamente, foi a Operação Lava Jato.
A Operação Spoofing comprovou que os diálogos hackeados por Walter Delgatti Neto dos aplicativos de mensagens do Magistrado e dos Procuradores eram autênticos.
Tais diálogos escandalizaram o mundo ao revelar uma orquestração entre Juiz e Ministério Público com o objetivo de obter delações, provas e condenações.
Se aconteceu na Operação Lava Jato, sob os holofotes do mundo, pode acontecer em qualquer outra investigação.
Os experimentos psicossociais de Milgram e de Zimbardo comprovaram a tendência humana ao abuso de poder.
Esses experimentos também demonstraram que ainda que a autoridade investigadora seja um ser humano exemplar, o exercício de poder ou de autoridade pode levá-las a praticar atos ou emitir ordens que podem contradizer o bom-senso ou a lei.
Concluo, leitor, louvando a iniciativa do Conselho Federal ao respaldar a atividade investigativa defensiva do advogado.
É preciso avançar mais nesse tema, mormente para conferir ao advogado o poder de requisitar a órgãos, autoridades e agentes públicos certidões, documentos, informações e demais providências necessárias à atuação profissional, em moldes parecidos ao que foi acertadamente garantido aos defensores públicos por lei, e ratificado pelo STF no julgamento das ADIs 6.869, 6.866, 6.874 e 6.878.