25/04/2022 às 16h13min - Atualizada em 25/04/2022 às 16h10min

Jefferson Freire, A TODA PROVA

Jefferson Freire

Jefferson Freire

A Toda Prova

Jefferson Freire - Jefferson Freire de Lima
O poder de investigação em matéria penal do Ministério Público na visão da defesa técnica
 
Engana-se quem ignora que o poder de investigação em matéria penal do Ministério Público não encontra rígida disciplina [limites e controles]. 
 
Desde a promulgação da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, o Supremo Tribunal Federal tem sido provocado a exercer a sua jurisdição constitucional para dirimir a controvérsia em torno dos limites de atuação do Ministério Público, notadamente para fixar se do plexo de poderes e deveres da instituição na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis desdobra-se respaldo constitucional para, por atos próprios, de maneira direta e autônoma, realizar investigação e instrução criminais e, se sim, quais os limites e controles.
 
Com esse propósito, em dezembro de 1998, a Excelsa Corte, na assentada de julgamento do RE 205.473/AL, com relatoria a cargo do Ministro CARLOS VELLOSO, firmou o entendimento inicial de que não, não cabia ao membro do Ministério Público realizar investigações criminais diretamente. 
 
Na ocasião, os Ministros da 2ª Turma firmaram o entendimento de que o Ministério Público deveria requisitar à autoridade policial a realização de investigações criminais.
 
Em 2003, o órgão fracionário da Corte pronunciou-se novamente a respeito do tema, desta feita, nos autos do RHC 81.326/DF, de relatoria do Ministro NELSON JOBIM, oportunidade em que a 2ª Turma proclamou a tese de que o Ministério Público não foi dotado de poderes investigatórios penais, tampouco poderia presidir inquérito policial. 
 
 
Nessa mesma assentada, os Ministros estabeleceram que os membros do Ministério Público não poderiam inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, podendo, nada obstante, requisitar diligências nesse sentido à autoridade policial.
 
Os julgamentos que se sucederam passaram paulatinamente a admitir a possibilidade do Ministério Público realizar diretamente atividades de investigação da prática de infrações penais, para fins de preparação e eventual instauração de ação penal. Foi o que se passou em 2008, no julgamento do HC 93.224/SP, Ministro-Relator EROS GRAU. 
 
Em 2009, no âmbito da 2ª Turma, na sessão de julgamento do HC 91.661/PE, de relatoria da Ministra ELLEN GRACIE, o Supremo Tribunal Federal avançou no sentido de reconhecer os poderes de investigação em matéria penal do Ministério Público. 
 
A partir desse julgamento unânime, o STF passou a admitir ser possível ao Ministério Público promover a colheita de elementos de prova de existência de autoria e de materialidade de crime. 
 
Ainda em 2009, a 2ª Turma, novamente conduzida pelo voto da Ministra ELLEN GRACIE, agora na relatoria do RE 468.523/SC, teve a oportunidade de discutir o tema. Foi apregoado nessa sessão não existir óbice para que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente a obtenção da prova, principalmente nos casos que envolvem a presença de policiais na prática de crimes. 
 
É perfeitamente possível – exaltou a Ministra, que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito, ainda que a título excepcional. 
 
Com a cátedra que lhe é peculiar, o Ministro CELSO DE MELLO, relator do HC 89.837/DF, HC 87.610/SC e do HC 94.173/BA, reafirmou, ainda em 2009, as orientações postas no HC 91.661/PE e no RE 468.523/SC, indo além, ao anunciar que a cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição Federal, não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público.
 
No sentir do Ministro CELSO DE MELLO, é plena a legitimidade constitucional do poder de investigar do Ministério Público e, também, de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção.
 
Não obstante tenha reconhecido o poder investigatório em matéria penal do Ministério Público, o Ministro preocupou-se em estabelecer os primeiros limites e controles, ao subordiná-lo ao controle jurisdicional e ao sistema de direitos e garantias individuais dos cidadãos, independentemente da fiscalização orgânica interna, pelas Corregedorias, e externa, pelo Conselho Nacional do Ministério Público [CNMP].
 
Em seu Voto, o Ministro averbou ainda que as investigações penais da instituição não poderiam desrespeitar o direito do investigado ao silêncio, nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, tampouco impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais.
 
Com largo fôlego, o Ministro CELSO DE MELLO assentou ainda que o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deveria conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo, o Ministério Público, sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração, deveria ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado. 
 
Sobre o regime do sigilo, anotou o Ministro, com a percuciência que lhe é atributo peculiar, deverá sempre ser excepcional e inoponível ao investigado e ao Advogado defensor.
 
Ainda a propósito do sigilo, o acórdão franqueou, é claro, ao investigado e ao Advogado, o pleno acesso aos autos e a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório, ressalvadas as diligências sujeitas ao devido processo legal diferido ou postergado.
 
Por fim, para o Ministro, as atribuições investigatórias do Ministério Público em matéria penal continuariam a limitar a possibilidade procurador/promotor de justiça assumir a presidência do inquérito policial. 
 
 
Em 2010, o Ministro GILMAR MENDES voltou a destacar o caráter excepcional ou subsidiário das investigações criminais do Ministério Público, em aresto assim ementado:
 
“Habeas corpus”. 2. Poder de investigação do Ministério Público. 3. Suposto crime de tortura praticado por policiais militares. 4. Atividade investigativa supletiva aceita pelo STF. 5. Ordem denegada.” [STF, HC 93.930/RJ, 2ª Turma, Relator[a]: Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 07/12/2010, Publicação: 03/02/2011]
 
Citando expressamente o julgamento do HC 89.837, da relatoria do Ministro CELSO DE MELLO; do HC 91.661, da relatoria da Ministra ELLEN GRACIE; e do HC 93.930, da relatoria do Ministro GILMAR MENDES, o Ministro AYRES BRITTO, em julgamento passado em 2011, referente aos autos do HC 97.969/RS, deixou de acolher alegação de nulidade de inquérito em que o Ministério Público protagonizou várias das medidas de investigação. 
 
Nos julgamentos que se seguiram sobre esse inquietante tema, em 2012, a 2ª Turma voltou a se ocupar da questão, agora, no julgamento do HC 91.613/MG, relatado pelo Ministro GILMAR MENDES, reconheceu a polêmica em torno do tema, destacando as posições em sentidos opostos correntes na Corte, tendo se posicionado favoravelmente à tese de que o Ministério Público é dotado de poderes de investigação em matéria penal.
 
A propósito, circulou no Informativo nº 722 do STF, referentes aos julgamentos havidos no âmbito das Turmas e do Plenário entre 30 de setembro a 4 de outubro de 2013, ementas do julgamento do RHC 97.926/GO, Ministro-Relator GILMAR MENDES, cuja transcrição se apresenta absolutamente oportuna:
 
“Poder de investigação do Ministério Público - 1
 
A 2ª Turma iniciou julgamento de recurso ordinário em habeas corpus em que se discute a nulidade das provas colhidas em inquérito presidido pelo Ministério Público. Além disso, a impetração alega: a] inépcia da denúncia, bem como ausência de elementos aptos a embasar o seu oferecimento; b] ofensa ao princípio do promotor natural; c] violação ao princípio da identidade física do juiz; d] possibilidade de suspensão condicional do processo antes do recebimento da denúncia; e] ausência de provas para a condenação; f] possibilidade de aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, b, do CP; e g] incompatibilidade entre a causa de aumento da pena do art. 121, § 4º, do CP e o homicídio culposo, sob pena de bis in idem. No caso, as investigações que antecederam o oferecimento da denúncia por homicídio culposo foram realizadas pela Curadoria da Saúde do Ministério Público. Segundo os autos, a filha da vítima noticiara ao parquet a ocorrência de possível homicídio culposo por imperícia de médico que operara seu pai, bem como cobrança indevida pelo auxílio de enfermeira durante sessão de hemodiálise. [RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013]”
 
“Poder de investigação do Ministério Público - 2
 
O Ministro Gilmar Mendes, relator, negou provimento ao recurso. Entendeu que ao Ministério Público não seria vedado proceder a diligências investigatórias, consoante interpretação sistêmica da Constituição [art. 129], do CPP [art. 5º] e da Lei Complementar 75/93 [art. 8º]. Afirmou que a jurisprudência do STF acentuara reiteradamente ser dispensável, ao oferecimento da denúncia, a prévia instauração de inquérito policial, desde que evidente a materialidade do fato delituoso e presentes indícios de autoria. Considerou que a colheita de elementos de prova se afiguraria indissociável às funções do Ministério Público, tendo em vista o poder-dever a ele conferido na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis [CF, art. 127]. Frisou que seria ínsito ao sistema dialético de processo, concebido para o estado democrático de direito, a faculdade de a parte colher, por si própria, elementos de provas hábeis para defesa de seus interesses. Da mesma forma, não poderia ser diferente com relação ao parquet, que teria o poder-dever da defesa da ordem jurídica. Advertiu que a atividade investigatória não seria exclusiva da polícia judiciária. O próprio constituinte originário, ao delimitar o poder investigatório das comissões parlamentares de inquérito [CF, art. 58, § 3º], encampara esse entendimento. Raciocínio diverso — exclusividade das investigações efetuadas por organismos policiais — levaria à conclusão de que também outras instituições, e não somente o Ministério Público, estariam impossibilitadas de exercer atos investigatórios, o que seria de todo inconcebível. Por outro lado, o próprio CPP, em seu art. 4º, parágrafo único, disporia que a apuração das infrações penais e sua autoria não excluiria a competência de autoridades administrativas a quem por lei fosse cometida a mesma função. [RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013]” 
 
 
“Poder de investigação do Ministério Público - 3
 
Prosseguindo, o Ministro Gilmar Mendes reafirmou que seria legítimo o exercício do poder de investigar por parte do Ministério Público, mas essa atuação não poderia ser exercida de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. Mencionou que a atividade de investigação, seja ela exercida pela polícia ou pelo Ministério Público, mereceria, pela sua própria natureza, vigilância e controle. Aduziu que a atuação do parquet deveria ser, necessariamente, subsidiária, a ocorrer, apenas, quando não fosse possível ou recomendável efetivar-se pela própria polícia. Exemplificou situações em que possível a atuação do órgão ministerial: lesão ao patrimônio público, excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais [vg. tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão, corrupção], intencional omissão da polícia na apuração de determinados delitos ou deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar a investigação, em virtude da qualidade da vítima ou da condição do suspeito. Sublinhou que se deveria: a] observar a pertinência do sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato investigado; b] formalizar o ato investigativo, delimitando objeto e razões que o fundamentem; c] comunicar de maneira imediata e formal ao Procurador-Chefe ou Procurador-Geral; d] autuar, numerar e controlar a distribuição; e] dar publicidade a todos os atos, salvo sigilo decretado de forma fundamentada; f] juntar e formalizar todos os atos e fatos processuais, em ordem cronológica, principalmente diligências, provas coligidas, oitivas; g] garantir o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte e ao seu advogado, consoante o Enunciado 14 da Súmula Vinculante do STF; h] observar os princípios e regras que orientam o inquérito e os procedimentos administrativos sancionatórios; i] respeitar a ampla defesa e o contraditório, este ainda que de forma diferida; e j] observar prazo para conclusão e controle judicial no arquivamento. [RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013]”
 
“Poder de investigação do Ministério Público - 4
 
O Ministro Gilmar Mendes consignou, ainda, que, na situação dos autos, o Ministério Público estadual buscara apurar a ocorrência de erro médico em hospital de rede pública, bem como a cobrança ilegal de procedimentos que deveriam ser gratuitos. Em razão disso, o procedimento do parquet encontraria amparo no art. 129, II, da CF [“São funções institucionais do Ministério Público: ... II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”]. Asseverou que seria inegável a necessidade de atuação do Ministério Público, pois os fatos levados a seu conhecimento sinalizariam ofensa à política pública de saúde. Reputou, assim, legítima a sua atuação. Assinalou a improcedência das assertivas relativas à falta de elementos lícitos a embasarem o oferecimento e o recebimento da denúncia, bem como a alegação atinente à inépcia da denúncia. Apontou que o entendimento do STF seria no sentido de que o trancamento de ação penal, por falta de justa causa, seria medida excepcional, especialmente na via estreita do habeas corpus. Dessa forma, se não comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria e materialidade, impor-se-ia a continuidade da persecução criminal. Na espécie, destacou que a peça inicial estaria em consonância com a jurisprudência desta Corte e com os requisitos do art. 41 do CPP, pois se consubstanciaria em contundente conjunto probatório, com a conduta do agente devidamente individualizada. Não haveria, portanto, constrangimento ilegal a ser corrigido. [RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013]”
 
  “Poder de investigação do Ministério Público - 5
 
O Ministro Gilmar Mendes ressaltou que inexistiria, também, ofensa ao princípio do promotor natural, porquanto a distribuição da ação penal se dera em cumprimento à Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Goiás [Lei Complementar Estadual 25/98], que permite a criação de promotorias especializadas. Destarte, não estaria configurada a desobediência à regra de atuação do promotor e, portanto, inviável a anulação da atuação da Procuradoria de Curadoria da Saúde do Estado de Goiás no caso. No que tange à alegação de nulidade por afronta ao princípio da identidade física do juiz, apontou que não teria sido demonstrado o prejuízo. Quanto à ausência de análise da suspensão condicional do processo, antes do recebimento da denúncia, afirmou que seria inviável a concessão do pedido, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, uma vez que o recebimento da denúncia seria condição para a proposta de suspensão condicional do processo. No que diz respeito à inexistência de prova para condenação por homicídio culposo, enfatizou que a jurisprudência do STF seria pacífica em não admitir o habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal e, tampouco, permitir o revolvimento aprofundado de conjunto fático-probatório. Além disso, ponderou que não mereceria ser acolhido o requerimento para incidência da atenuante prevista no art. 65, III, b, do CP, haja vista que, neste recurso ordinário, a defesa restringira-se a simplesmente invocar a regra normativa, sem fundamentar a aplicação da atenuante. Por último, no que se refere à incompatibilidade entre a causa de aumento de pena [CP, art. 121, § 4º] e o homicídio culposo caracterizado pela negligência, sob pena de bis in idem, observou que nem a sentença condenatória nem o acórdão confirmatório da sentença imputaram ao paciente esta causa de aumento de pena. Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, pediu vista o Ministro Ricardo Lewandowski. [RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013]”
 
A essa altura, faz-se necessária uma contextualização história. Os protestos populares em 2013, que ficaram conhecidos como as “Manifestações dos 20 centavos”, “Manifestações de Junho”, “Jornadas de Junho”, ou “Nova Revolta do Vintém”, varriam as ruas das principais capitais do Brasil, com o maior número de pessoas, desde as manifestações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992.
 
Fortemente influenciada pelas manifestações populares, o Plenário da Câmara Federal rejeitou, por 430 [quatrocentos e trinta] votos a 9 [nove], com 2 [duas] abstenções, a Proposta de Emenda à Constituição nº 37/11, de autoria do deputado LOURIVAL MENDES [PTdoB/MA], a chamada “PEC 37”, que atribuía exclusivamente às polícias Federal e Civil a competência para a investigação criminal.
 
Na prática, a “PEC 37”, como ficou popularmente conhecida, retirava do Ministério Público, por completo, os poderes investigatórios em matéria penal.
 
Logo no ano seguinte, a população brasileira também foi desafiada pela crise econômica de 2014, que passou a ser conhecida como “A grande recessão brasileira”, o que foi determinante para manter em evidência o clima de conflagração entre os brasileiros, fortemente influenciada pela recém nascida “Operação Lava Jato”.
 
Logo após esses eventos, o Plenário da Suprema Corte brasileira, por meio do julgamento do HC 84.548/SP, com relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO, decidiu que o Ministério Público pode realizar diligências investigatórias para complementar a prova produzida no inquérito policial. 
 
As bases para uma abordagem mais definitiva sobre o tema no âmbito do Supremo Tribunal Federal estavam firmadas, e em 14 de maio de 2015, iniciou-se o julgamento do RE 593.727/MG, com relatoria do Ministro CEZAR PELUSO, com redator do acórdão o Ministro GILMAR MENDES, que deu os atuais contornos sobre a temática, em razão da repercussão geral conferida ao recurso em 27 de agosto de 2009.
 
Decerto, com o advento do Acórdão exarado nos autos do RE 593.727/MG, a Suprema Corte fixou a tese de que o Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, conquanto respeitados, por exemplo, os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado.
 
Nessa assentada, a Excelsa Corte ainda determinou que devem ser observadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos os Advogados [Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, art. 7º, especialmente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX e a Súmula Vinculante nº 14, STF], sem prejuízo da possibilidade do controle jurisdicional dos atos investigativos, necessariamente documentados.
Inexorável que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu limites e controles ao poder investigatório em matéria penal do Ministério Público, especialmente porque elas decorrem da constatação de que no Estado Democrático de Direito ninguém pode comportar-se à margem da lei, campo em que se insere os limites de atuação das instituições e dos agentes de Estado.
 
Uma interpretação sistemática dos Votos exarados pelos Ministros da Excelsa Corte nos autos ementados acima deixa claro que o poder de investigação em matéria penal do Ministério Público deve ser exercido sob limites e controles.
 
Então, pode-se extrair que o poder de investigação em matéria penal do Ministério Público submete-se aos sistemas de limites e controles das investigações de natureza criminal e de direitos e garantias constitucionais fundamentais dos investigados, neles destacadas, exemplificativamente, as seguintes diretrizes:
 
¶ atuação necessariamente subsidiária e deve ocorrer quando não for possível ou recomendável a atuação da própria polícia;
aplicação, no que couber, dos preceitos que disciplinam o inquérito policial e os procedimentos administrativos sancionatórios;
 
¶ autuação, numeração, registro, e livre distribuição;
 
¶ sigilo idoneamente fundamentado, não se admitindo procedimento secreto ou oculto;
 
¶ controle pelo Poder Judiciário;
 
¶ pertinência do sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato;
 
¶ ato de instauração do procedimento deve delimitar as pessoas e o objeto das investigações, bem com as razões que o fundamentem;
 
¶ comunicação imediata ao Procurador-Chefe ou ao Procurador-Geral; 
 
¶ juntada e formalização de todos os atos e fatos processuais, em ordem cronológica, principalmente as diligências, provas coligidas, oitivas etc.;
 
¶ é preciso assegurar o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte e ao seu advogado, como bem afirmado na Súmula Vinculante 14; 
 
¶ prazo para conclusão do procedimento investigativo e controle judicial quanto ao seu arquivamento;
 
¶ atribuição de responsabilidade penal por abuso de poder; 
 
¶ inadmissão das provas ilegítima ou ilicitamente obtidas; 
 
¶ impossibilidade de realização de atos investigativos informais;
 
¶ observância ao sistema de direitos e garantias constitucionais ao investigado;
 
¶ expressar ou não recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, mesmo quando a investigação esteja sendo processada em caráter sigiloso;
 
¶ juntada aos autos de todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo o Ministério Público sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, devendo ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado; 
 
¶ não recusar ao investigado o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório;
 
¶ controle sobre as diligências investigatórias, sem prejuízo da fiscalização intraorgânica;
 
¶ limitações de ordem jurídica [respeito ao direito do investigado ao silêncio; não constranger o investigado a produzir prova contra si; não impedir o investigado de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor a este indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais; não ordenar a condução coercitiva do investigado; o acesso à integralidade da prova, não podendo o procedimento investigatório deixar de conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo o Ministério Público sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, devendo ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado; não recusar ao investigado o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo diretamente a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição; etc.. 
 
Como se sabe, os julgamentos do Supremo Tribunal Federal [STF] não abrigam diretrizes inúteis, sendo certo afirmar que, no julgamento do RE 593.727/MG, os votos proferidos nas demais causas a ele se incorporam, até porque foram usados como fundamentos.
 
Assim, as investigações devem ser processadas a partir de uma principiologia, qual seja, o poder de investigar e de propor a ação penal concentrado em apenas um órgão de Estado submete essa significativa parcela do poder estatal a rigoroso controle pelo Poder Judiciário, mais do que aquela que diz respeito às investigações policiais, sob pena de subverter a ordem constitucional.
É de se anotar também que nesses julgamentos do STF também foram ressaltas as consequências das transgressões a essas condicionantes e limites, estabelecendo como paradigma a sanção processual de ilicitude dos atos investigativos e, por conseguinte, das investigações e das provas obtidas direta ou indiretamente ou por derivação, dado os reflexos negativos insuperáveis que tais atos ilícitos impõem à ordem jurídico-constitucional, à coletividade e aos indivíduos. 
 
Tais preceitos encontram ressonância nos comandos dos arts. 1º, 3º e 5º, caput, incisos II, VIII, X, XII, XXXVII, XXXIX, XLI, XLV, LIII, LIV, LV, LVI, LVII, 37, 93, 127 e seguintes, todos da Constituição Federal, sob pena de fazer instalar duas novas categorias de cidadãos, o investigado ou acusado, a quem se atribui a prática de um crime, posto abaixo da lei, sendo a lei a ele inacessível, e os agentes de Estado, movidos por um moralismo circunstancial, postos acima da lei, e a que são ignoradas até mesmo as ilicitudes por eles praticadas. 
 
No plano infraconstitucional, a atuação das autoridades investigantes devem obediência precipuamente ao Decreto-Lei nº 3.686, de 02 de outubro de 1941, o Código de Processo Penal, à Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, o denominado Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, à  à Lei nº 13.245, de 12 de janeiro de 2016, e à Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, o Código de Processo Civil, este de aplicação subsidiária, além de outros  diplomas legais esparsos.  
 
As normas emanadas do Conselho Nacional do Ministério Público [CNMP] e dos Órgãos Colegiados do Ministério Público da União e dos Estados, ainda que elaborada sob infração do art. 22, inciso I, da Constituição Federal, também condicionam o poder de investigação criminal do Ministério Público, ainda que com marcante falta de rigor ou mesmo com leniência, em alguns casos.
 
Fato é que os limites e controles têm que permitir ao investigado compreender a dinâmica investigativa do Ministério Público, de modo a permitir o controle judicial posterior dos atos investigativos, evitando expor o investigado a acusações temerárias e prejudiciais. 
 
O reclamado poder de investigação criminal foi reconhecido não apenas como um direito, mas como um dever, e como tal reivindica incomensurável responsabilidade para o seu exercício, simplesmente porque os poderes de Estado não podem ser exercidos livremente, sem limites, sem controles, enfim, sem parâmetros, sem ônus ou condescendente com as ilegalidades.
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